TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

468 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em boa verdade, da sua redação literal apenas se poderia extrair a aplicação do mesmo aos processos jurisdicionais que versassem “quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal”. No entanto, a jurisprudência consolidada naquele tribunal tem permitido ampliar a sua esfera de proteção normativa quer aos processos e procedi- mentos que versem sobre situações jurídico-administrativas caraterizadas por uma tendencial paridade entre a administração pública e os particulares – mediante aproximação ao conceito de “direitos e obrigações de caráter civil” (a mero título de exemplo, ver o acórdão Ringeisen , de 16 de julho de 1971, do TEDH) –, quer ainda aos procedimentos administrativos de tipo sancionatório, que revelem uma proximidade substantiva ao exercício de poder punitivo, de tipo penal – desta feita, ensaiando-se uma aproximação ao conceito de “acusação em matéria penal” (ver ainda os acórdãos König , de 28 de junho de 1978, Baraona , de 8 de julho de 1987, Neves e Silva , de 27 de abril de 1989, H. c/ França , de 24 de outubro de 1989, e Vallée c/ França , de 26 de abril de 1994, todos do TEDH). Ora, esta necessidade de interpretação ampliativa da norma consagradora do “direito a um processo equitativo” não opera no caso do bloco de normatividade constitucional portuguesa. É que, ao contrário do que sucede com aquele texto internacional, a Constituição da República Portuguesa contém um leque multifacetado de normas consagradoras de direitos fundamentais de defesa dos indivíduos (e das pessoas coletivas) face ao exercício de poderes sancionatórios. Desde logo, o n.º 10 do artigo 32.º, que procede a uma extensão das “garantias de defesa”, em processo penal, aos demais processos de tipo sancionatório, quando se encontrem em “fase jurisdicional”. Razões suficientes para se concluir pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa que cons- titui objeto do presente recurso, no que diz respeito à violação do n.º 4 do artigo 20.º da CRP. 6. Dando por assente que a questão de inconstitucionalidade normativa ora em apreço diz respeito a um alegado conflito entre a qualidade de “concessionária pública”, de que goza a SCML, e a sua qualidade de pessoa coletiva pública encarregue do exercício de poderes sancionatórios, de tipo contraordenacional – ainda que através do respetivo Departamento de Jogos –, durante a “fase administrativa” desse procedimento complexo, impõe-se então verificar se essa cumulação de poderes na mesma pessoa coletiva implica uma vio- lação das “garantias de defesa” das recorridas, na “fase administrativa” do procedimento contraordenacional.  Mais uma vez, importa recuperar o que este Tribunal já disse, a propósito de um problema similar, que envolvia a cumulação entre o exercício de poderes sancionatórios, de tipo contraordenacional, e o benefício obtido através da cobrança de receitas, por via das coimas aplicadas. Assim, no Acórdão n.º 278/11 concluiu- -se que: «É de sublinhar que as entidades administrativas que dispõem de poderes sancionatórios, designadamente em matéria de responsabilidade contraordenacional, encontram-se, simultaneamente obrigadas ao respeito dos princí- pios gerais aplicáveis a qualquer procedimento administrativo [vide artigos 3.º a 12.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA)] e ao respeito das garantias de defesa dos arguidos em procedimentos contraordenacionais (artigo 32.º, n.º 10, da CRP). Como tal, independentemente de beneficiarem – apenas a final – do produto das coimas pagas pelos arguidos, certo é que persistem vinculados aos princípios da imparcialidade e da justiça (artigo 6.º do CPA), da igualdade e da proporcionalidade (artigo 5.º do CPA) e da boa fé (artigo 6.º-A do CPA).  Assim sendo, em boa verdade, o problema suscitado pela recorrente situa-se mais ao nível da eventual viola- ção de princípios e de normas de fonte infraconstitucional que conduziria à invalidade da decisão administrativa de natureza condenatória do que da constitucionalidade quanto à norma extraída da alínea b) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 78/2004. Senão, vejamos. A sanção contraordenacional visa a prevenção de novas infrações e a motivação dos administrados para o cumprimento da lei, não podendo as coimas ser utilizadas como meio de financiamento da própria Administração Pública, sob pena de desvio de poder na decisão administrativa que aplica a sanção (aliás, é tradicional apresentar-

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