TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
467 acórdão n.º 404/13 “Só os tribunais podem aplicar penas e medidas de segurança. Mas já não cabe no principio da ‘reserva do Juiz’, por já não ser ‘administração da justiça’, a aplicação de sanções não criminais não restritivas da liber- dade: estas podem ser aplicadas pelas autoridades administrativas, desde que se garanta um efetivo recurso aos tribunais e se assegurem ao arguido as necessárias garantias de defesa (o principio da defesa vale, na sua ideia essencial, para todos os domínios sancionatórios)”. Ora, à semelhança do que sucede nos demais procedimentos contraordenacionais, a decisão condenatória pro- ferida pela Inspeção-Geral do Ambiente, é passível de impugnação judicial, nos termos do n.º 1 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ao caso em apreço nos autos. Tanto assim é que o presente recurso de constitu- cionalidade decorreu de processo jurisdicional no qual a recorrente teve oportunidade de fazer submeter a decisão administrativa de aplicação de coima a um controlo jurisdicionalizado. Assim sendo – e aderindo-se à jurisprudência supra citada –, entende-se que as normas extraídas dos artigos 33.º e 36.º, n. os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, não contrariam o princípio da separação de poderes (artigo 111.º, n.º 1, da CRP), nem tão pouco contrariam a reserva da função jurisdicional (artigo 202.º, da CRP), por permitirem a uma entidade administrativa – in casu , a Inspeção-Geral do Ambiente – a instrução e a decisão de sanção a aplicar, no âmbito de um procedimento contraordenacional.» Seguindo esta linha de raciocínio, conclui-se que, sem prejuízo de os arguidos em processo contraorde- nacional gozarem de várias garantias de defesa – sejam elas de génese procedimental administrativa, sejam antes de génese processual (ou jurisdicional) –, importa reiterar que a eventual preterição dessas “garantias de defesa”, durante a “fase administrativa” de um procedimento contraordenacional não implica uma violação do “direito a um processo equitativo” (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da CRP), pois este apenas reclama aplicação em caso de tramitação de um processo jurisdicional. De todo o modo sempre se imporia a convocação da norma constitucional decorrente do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, por se tratar de norma especial, e nunca daquele outro preceito legal, supra citado. Este mesmo entendimento foi já sufragado pela 3.ª Secção deste Tribunal, através dos Acórdãos n. os 595/12 e 49/13 (ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) , tendo o primeiro deles expressamente afirmado, reportando-se ao artigo 20.º, n.º 4, da CRP, que: «Sucede que desta norma constitucional não decorre o efeito que a decisão recorrida, por si e pelo que absorve do precedente jurisprudencial a que se acolhe (Acórdão do TRP de 2/11/2011, P. 801/06.6TPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt ) , lhe atribuiu, no que se refere à fase administrativa do processo de contraordenação. Desde logo, porque a conformação legislativa dessa fase do processo de contraordenação está fora do campo de previsão desta norma constitucional. O “processo equitativo” que constitui objeto imediato do n.º 4 do artigo 20.º da Consti- tuição respeita à “tutela jurisdicional efetiva”, aos “tribunais”, a “causas” e “procedimentos judiciais”. Como diz o Ministério Público. a linguagem, o sentido e a função desta disposição constitucional são inequívocos ao localiza- rem o direito (fundamental) ao processo equitativo em sede “judicial” e não em sede “administrativa”, como é o caso da fase administrativa do “processo de contraordenação”.» Esta conclusão não conflitua, de modo algum, com a constatação de que o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) consagra um conceito amplo de “processo equitativo”, que não só abarca os processos de natureza cível, como os processos de natureza criminal e ainda os processos de cariz contraordenacional ou mesmo os procedimentos de tipo administrativo. A interpretação extensiva que o Tri- bunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem extraído do artigo 6.º da CEDH – no sentido de nele abarcar o “direito a um processo equitativo”, quer no âmbito de procedimentos contraordenacionais, quer mesmo no âmbito de procedimentos de tipo administrativo ou de ações jurisdicionais perante os tribunais administrativos – decorre apenas da exiguidade semântica daquele preceito convencional.
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