TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
463 acórdão n.º 404/13 85.º Com efeito, o facto de o Departamento de Jogos da SCML ser responsável pela exploração dos jogos sociais do Estado e, portanto um verdadeiro operador de mercado (portanto, parte teoricamente interessada) não lhe confere, nas palavras de Castro Mendes, a “exterioridade em face dos interesses em confronto” necessária a garantir a sua independência. 86.º De facto, o Departamento de Jogos da SCML, por ser um verdadeiro “player” de mercado não oferece garan- tias objetivas de independência relativamente a pressões internas [13] , nem tão pouco oferece sequer uma aparência objetiva de independência nos termos exigidos pela jurisprudência do TEDH. 87.º Por outro lado, em virtude da referida cumulação de atribuições, o Departamento de Jogos da SCML não está, nas palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, a “coberto de suspeições ou desconfianças que desmereçam a sua função” de julgador, o que põe em causa a sua imparcialidade. 88.º Com efeito, a confiança que, de acordo com a jurisprudência e doutrina acima referidas, o “julgador” deve suscitar para que se dê por verificada a sua independência e imparcialidade, é abalada se não houver uma separação clara entre, por exemplo, no que toca ao caso concreto, as funções de gestão e administração da exploração do jogo e as funções de aplicação de sanções em processos de contraordenação por infração às regras dos “jogos sociais”, ainda para mais quando as duas funções são da competência da mesma entidade que é também o operador de mercado em regime de monopólio legal [14] ! 89.º Finalmente, repare-se que a SCML – como é corretamente referido no Acórdão Recorrido mas ignorado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto – não é sequer uma autoridade administrativa, como o são a Autoridade da Concorrência, a Comissão dos Mercados de Valores Mobiliários, etc., mas antes uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa. Pelo que a necessidade de se assegurar as garantias plenas do direito a um processo equitativo em sede da fase administrativa dos processos de contraordenação apreciados e decididos pelo Departamento de Jogos da SCML é ainda maior e mais evidente. 90.º Por outro lado, e como também acertadamente se refere no Acórdão Recorrido, não há qualquer outro exemplo no ordenamento jurídico nacional em que os poderes de fiscalização das regras de funcionamento do mercado e a competência para sancionar violações dessas mesmas regras de mercado por parte de terceiros estejam acometidas ao próprio operador de mercado! 91.º Nem sequer tal acontece noutros casos em que é conferido a uma entidade um direito especial em regime monopólio, como sucede com o serviço universal postal que se encontra neste momento atribuído aos CTT – [13] Neste sentido, veja-se o acórdão do TEDH Belilos v. Suiça (1988), em que a “Comissão da Polícia” local, que decidia certas ofensas de menor importância, era constituída por um membro – um polícia – que, apesar de não estar sujeito a ordens, ter prestado juramento e não poder ser destituído, pelo facto de posteriormente regressar às suas funções na Polícia, sujeito aos seus superiores hierárquicos, levou o tribunal a concluir que existiam motivos para que se suscitassem dúvidas legítimas sobre a sua independência e imparcialidade organizacional. [14] Neste sentido, veja-se o acórdão do TEDH Dubus S.A. v. França (2009), em que o Tribunal não se convenceu que havia uma separação efetiva entre o procedi- mento disciplinar e a investigação administrativa.
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