TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

460 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 51.º Para a análise destes dois critérios importa determinar se a “ofensa” respeita ao público em geral e não a um grupo específico de pessoas (por forma a distinguir as meras sanções de natureza disciplinar, das sanções penais) [7] ; em caso afirmativo, se tem uma natureza punitiva e/ou preventiva (por forma a distinguir as sanções meramente civis, das sanções penais) [8] ; e se o nível da sanção e o estigma a ela associado é importante [9] . 52.º Assim, quando uma sanção é imposta com o objetivo primordial de evitar futuras violações, quando a violação da norma é percebida como inerentemente “má” ou contrária aos valores partilhados numa sociedade democrática e quando a norma é dirigida a um número indeterminado de destinatários, então, essa norma tem uma natureza penal e está abrangida pelo artigo 6.º da CEDH. 53.º Face à citada jurisprudência, e conforme foi já confirmado pelo Tribunal da Relação de Évora através do Acórdão proferido em 28 de outubro de 2008 no âmbito do Processo n.º 1441/08-1, “o conceito de acusação em matéria penal contido no artigo 6.º da CEDH, conceito com autonomia que deve ser interpretado no sentido da Convenção, é interpretado pelo TEDH como abrangendo o direito contraordenacional”. 54.º Cumpre ainda sublinhar que o texto normativo constante do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH, à semelhança do normativo constante do segundo parágrafo do artigo 47.º da CDFUE, não faz qualquer referência a uma “deter- minação” final ou a uma “acusação” em última instância, pelo que se terá forçosamente de concluir que o preceito respeita a todas as fases do processo. 55.º Nesse sentido, aliás, muito doutamente concluiu o Tribunal a quo, na linha da posição já defendida pelo TEDH [10] , “afirmando que a garantia de um processo equitativo estende-se desde a primeira instância até ao Tribu- nal de última instância” (cfr. p. 24 do Acórdão Recorrido). 56.º Em idêntico sentido vão J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando defendem que [t]odo o processo – desde o momento de impulso da ação até ao momento da execução – deve estar informado pelo princípio da equitatividade, através da exigência do processo equitativo (…) [11] (itálico nosso). 57.º Pelo que de acordo com a jurisprudência e doutrina citada sobre a matéria não restam dúvidas de que o con- teúdo do direito ao processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da CRP deve ser aferido à luz do disposto no artigo 6.º, n.º 1 da CEDH e no segundo parágrafo do artigo 47.º da CDFUE que consagram como uma decor- rência do processo equitativo a exigência de que a causa seja apreciada por um tribunal imparcial e independente. 58.º Resulta destes normativos que a independência e imparcialidade do Tribunal são princípios que conformam o processo equitativo e que, ao contrário do defendido pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto, não estão apenas garan- [7] Por exemplo, acórdão do TEDH Jussila v. Finlândia (2006), parágrafo 38; [8] Por exemplo, acórdão do TEDH Bendenoun v. França (1994), parágrafo 47: the tax surcharges are intended not as pecuniary compensation for damage but essentially as punishment to deter reoffending. [9] Por exemplo, no acórdão do TEDH Malige (1998), o TEDH considerou que um sistema de dedução de pontos em cartas de condução, após a prática de cada infração constitui uma medida suficientemente severa para ser considerada como tendo natureza penal. [10] Neste sentido, veja-se o acórdão do TEDH Eckle v. Alemanha (1982), parágrafo 78. [11] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Anotada, Volume I, 1.ª edição, 2007, Coimbra Editora, p. 415.

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