TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
44 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Subscrevi a decisão maioritária do Tribunal quanto às duas questões que lhe foram colocadas. Contudo, quanto à questão relativa à constitucionalidade do regime de delegação de competências (do Estado nos entes autárquicos), previsto pelo Decreto da Assembleia, devo fazer a seguinte precisão. A meu ver, o n.º 2 do artigo 111.º da CRP não se limita a consagrar uma reserva de lei formal. O que aí está em causa não é apenas a necessidade de fazer anteceder a atuação administrativa de prévia habilitação, a conceder pelo “legislador democraticamente legitimado”. O que está em causa é também a necessidade da existência de lei em sentido material, ou seja, de prescrição geral e abstrata, não necessariamente constante de ato da função legislativa. Como se diz no Acórdão, a reserva de lei contida no n.º 2 do artigo 111.º radica no princípio segundo o qual os órgãos do poder não dispõem das competências que lhes são atribuídas. Porque assim é, nos casos em que a atribuição de competências seja feita através de lei, cabe também à lei autorizar a sua delegação. No Decreto da Assembleia essa autorização existe: permite-se que, por via de contrato interadministrativo, o Estado delegue competências suas nos órgãos dos entes autárquicos. Sucede, porém, que os contratos interadministrativos não deixam de ser atos de vontade, praticados ad hoc, de forma singular e especial. A lei que os habilite como atos de delegação de competências não pode portanto deixar de conter critérios materiais, gerais e abstratos, que regulem e vinculem em cada caso a decisão de contratar, ou de remeter para regulamento administrativo a definição de tais critérios. Com efeito – e é aqui que me separo da posição maioritária – creio que a definição dos critérios vincula- tivos dos atos de delegação não tem necessariamente que constar do ato da função legislativa que é a lei for- mal habilitante. A meu ver, poderá perfeitamente constar de regulamento administrativo. Ponto é, porém, que a lei habilitante da delegação, caso não queira (por razões, por exemplo, de especialidades de matérias) fixar ela própria tais critérios, remeta a fixação para regulamento administrativo, que assim surgirá como a lei em sentido material (isto é, a disciplina geral e abstrata) em cujos termos se poderá vir a operar a delegação. O regime fixado no Decreto da Assembleia não contém a definição, no sentido que acabei de expor, de critérios materiais vinculativos dos atos de delegação de poderes. Dizer-se, como se diz no artigo 104.º do Decreto, que “a negociação, celebração, execução e cessação dos contratos” obedece aos princípios da igualdade, da não discriminação, da estabilidade, da prossecução de interesse público é, a meu ver, manifes- tamente insuficiente: a referência a estes princípios nada acrescenta, uma vez que, por força da Constituição, a Administração Pública sempre estaria vinculada à sua observância, qualquer que fosse a concreta atividade que desenvolvesse. Mas a verdade é que, para além da redundante referência a princípios que já decorrem da Constituição, o Decreto não fixa critérios materiais que enquadrem, de forma vinculante, a decisão de delegação: o que é que se delega a quem; em que domínios; com que ordem de prioridades. Do mesmo modo, não remete para regulamento tal fixação (não habilita nenhum regulamento a fazê-lo). Assim sendo, a exigência de reserva de lei em sentido material, que a meu ver o artigo 111.º, n.º 2, da CRP consagra – exigência essa que faz com que, nestes domínios, não surjam como instrumentos bastantes de garantia de imparcialidade da Administração o dever de fundamentação dos atos, ou a autovinculação da administração a práticas anteriores, ou o registo dos contratos –, não se encontra cumprida. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido quanto à pronúncia pela inconstitucionalidade constante da alínea (ii) da decisão, pelas seguin- tes razões essenciais: A) Embora acompanhando, de um modo geral, as considerações do Acórdão acerca do princípio da “reserva de lei” a que, nos termos do n.º 2 do artigo 111.º da Constituição, está sujeita a delegação de poderes, entendo que a norma habilitante em causa satisfaz, no contexto em que se destina a
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