TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

436 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A questão que se coloca é, pois, a de saber se tal circunstância pode justificar a existência de uma expecta- tiva jurídica que, à luz do princípio da proteção da confiança, torne inconstitucional a aplicação das normas em causa, na interpretação aplicada pela decisão recorrida, a planos de insolvência apresentados no âmbito de processos de insolvência pendentes, que ainda não tenham ainda sido objeto de homologação. Como vimos, o regime de indisponibilidade dos créditos tributários, defendido pela jurisprudência largamente maioritária nos tribunais superiores como não aplicável no âmbito dos planos de insolvência, resultava do entendimento de que as normas especiais, constantes do Código da Insolvência, derrogavam o regime geral, resultante das leis tributárias. Assim sendo, importa apreciar se a referida alteração, no sentido de o regime geral passar a prevalecer sobre outros regimes especiais em sentido contrário (e concretamente, sobre o regime instituído pelo CIRE), constitui uma violação do princípio da confiança, tendo em atenção os pressupostos ou requisitos da prote- ção da confiança acima enunciados. Face aos aludidos requisitos, para que a confiança seja tutelada constitucionalmente, exige-se, em pri- meiro lugar, que o legislador tenha promovido comportamentos capazes de gerar nos cidadãos a expectativa de continuidade de um determinado modelo ou regime jurídico. Ora, não se poderá afirmar que, nas situa- ções como a dos autos, o Estado tenha tido comportamentos de que possa inferir-se a criação, nos privados, de «expectativas» de continuidade do regime legal em causa. Com efeito, não só se manteve em vigor o regime geral de indisponibilidade dos créditos tributários como, perante a interpretação de tais normas efe- tuada pela corrente dominante na jurisprudência no âmbito dos processos de insolvência, a Fazenda Pública tem mantido posição contrária, apresentando recurso de tais decisões (conforme a própria recorrente reco- nhece e resulta da jurisprudência que cita nas suas alegações). Assim, dificilmente se poderá sustentar que existissem fundadas expectativas privadas de manutenção do regime jurídico vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. Por outro lado, no que respeita ao terceiro requisito, se é certo que a recorrente, ao apresentar o plano de insolvência o fez num determinado quadro normativo e no pressuposto de que o mesmo se manteria inalterado – ou seja, tendo a expectativa da continuidade de um determinado «comportamento» por parte do legislador – é certo, por outro lado, que dada a natureza do plano de insolvência, a tramitação a que o mesmo se encontra sujeito, com a participação de diversos intervenientes processuais, bem como a necessi- dade de preenchimento de uma série de outros requisitos legais, dificilmente se pode defender que com sua apresentação pudesse existir, desde logo, uma expectativa jurídica de que o mesmo se mantivesse inalterado, vindo a ser aprovado, qua tale , pelos credores e homologado por sentença. Com efeito, uma vez apresentado o plano, este é sujeito, como vimos, a um primeiro controlo juris- dicional liminar da sua admissibilidade (cfr. artigo 207.º do CIRE) e, na assembleia de credores em que o plano é discutido e votado, o mesmo pode ser sujeito a alterações, sendo aprovado com essas alterações ou pode vir a não ser aprovado pela maioria dos credores. Por outro lado, mesmo que o plano seja aprovado, este terá ainda de passar por um segundo crivo judicial, podendo ser ou não homologado, nos termos dos artigos 214.º a 216.º do CIRE. Refira-se ainda que no caso dos autos, quando foi realizada a assembleia de credores destinada a discutir e votar a proposta de plano, já se encontrava em vigor o novo regime legal, pelo que a recorrente e os demais credores poderiam ter promovido a alteração do plano em conformidade com as referidas alterações legislativas, não se podendo por isso afirmar que aquando da aprovação do referido plano de insolvência existissem fundadas expectativas no sentido da sua homologação. Face ao exposto, também o terceiro requisito para proteção da confiança não se afigura, no caso, preenchido. É certo que não se poderá desconsiderar, e é sobretudo nesse aspeto que se funda o recurso interposto, que o legislador, ao optar pela aplicação do novo regime aos processos de insolvência pendentes em que o plano de insolvência ainda não tivesse sido objeto de homologação, iria afetar necessariamente os planos de insolvência já apresentados que, face ao novo regime, poderiam ter de ser alterados. Contudo, esta opção não poderá ter-se como arbitrária, nem se pode considerar que afete posições jurídicas já constituídas. Com efeito, o interesse prosseguido pelo legislador através da aplicação de lei nova

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