TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «2.2.4. OTribunal Constitucional teve oportunidade de discutir a constitucionalidade e legalidade do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, c) , 20.º e 59.º da Lei n.º 2/2007, na sua aplicação aos municípios da Região Autónoma da Madeira, no processo n.º 717/07, pelo Acórdão n.º 499/08, de 14 de outubro de 2008 […] No quadro da interpretação do Tribunal Constitucional, portanto, os municípios das regiões autónomas não obtêm diretamente dos preceitos da Lei de Finanças Locais o reconhecimento do direito a montantes de IRS. Ape- nas através de decreto-legislativo regional obterão esse reconhecimento. No quadro daquela mesma interpretação, que aqui se acompanha, não pode obter acolhimento a tese da sentença recorrida de que o artigo 63.º, n.º 3, da LFL é uma norma inútil e de que entendida como a recorrente entende seria inconstitucional. E também não obtém acolhimento a tese do município quanto à interpretação da mesma norma. É que é o próprio Tribunal Constitucional que contraria essa tese. Deste modo, não cabia ao Estado proceder diretamente a transferência para os municípios das regiões autóno- mas a título de participação em IRS cobrado nessas regiões.» Em suma: a norma extraída dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) , 20.º, n.º 1, e 63.º, n.º 3, da Lei das Finan- ças Locais, interpretados no sentido de que a participação dos municípios sedeados nas regiões autónomas na percentagem variável de até 5% do IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial está dependente do decreto legislativo regional a que se refere o citado artigo 63.º, n.º 3, integra a ratio decidendi da decisão recorrida, não podendo por isso ser considerada um simples obiter dictum . Conse- quentemente, a mesma norma deveria integrar o objeto do presente recurso de constitucionalidade. 2. Por outro lado – e agora quanto ao mérito do recurso de constitucionalidade, na parte em que não foi conhecido – , a citada norma viola a proibição de delegação de poderes contida no artigo 111.º, n.º 2, da Constituição. Com efeito, a legislação sobre o estatuto das autarquias locais inclui o regime das finanças locais e inte- gra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da Constituição]. Acresce que se trata de matéria reservada à legislação estadual e sobre a qual as regiões autónomas não podem legislar [cfr. o artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição]. Deste modo, e com referência aos municípios sedeados nas regiões autónomas, a «lei» prevista nos artigos 238.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, da Constituição – a lei que define a participação dos municípios nas receitas dos impostos diretos – só pode ser uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei autorizado; nunca um decreto legislativo regional. Pelo exposto, a Assembleia da República não pode delegar nas regiões autónomas o poder de definição legal dos termos da participação dos municípios sedeados nessas mesmas regiões nas receitas dos impostos diretos. Aliás, tal delegação – para mais totalmente «em branco», ou seja, sem uma densificação mínima de crité- rios –, ao suprimir no âmbito regional e sem fundamento constitucional bastante a relação imediata Estado- -municípios, atenta igualmente contra o princípio da unidade do Estado (artigo 6.º, n.º 1, da Constituição). Com efeito, é a organização democrática deste que compreende a existência de autarquias locais, pelo que, em regra, as relações entre estas e o Estado são diretas e autónomas das relações com outras entidades de base territorial, nomeadamente com as regiões autónomas (cfr. o citado artigo 6.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 235.º, n.º 1, da Lei Fundamental). Estas últimas apenas se relacionam com as autarquias locais nos termos expressamente previstos na Constituição [cfr., por exemplo, o artigo 227.º, n.º 1, alínea m) , quanto ao poder de tutela]. 3. Vencido também quanto ao fundo da decisão – nomeadamente, a alínea b) do dispositivo – , pelas razões constantes da minha declaração de voto relativa ao Acórdão deste Tribunal n.º 568/12, no que se refere ao entendimento da compatibilização do direito constitucional das regiões autónomas a disporem das receitas de IRS nelas cobradas ou geradas com o direito – também constitucional – dos municípios de
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