TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
41 acórdão n.º 296/13 Todavia, ressalvados estes elementos, o poder de celebração de contratos de delegação de competências é deixado à margem de livre decisão do Governo, por um lado, e das autarquias, por outro. Desde logo, não se define de quem é, ao certo, a competência para a celebração do contrato. O artigo 100.º, n.º 1, fala em órgãos do Estado – mas não esclarece quais os órgãos, todos e qualquer um, apenas alguns dos departamentos da administração central do Estado, ou apenas o Governo. Tão-pouco esclarece, por exemplo, se abrange apenas a administração central direta do Estado ou também a indireta. Aspetos como os referentes aos efei- tos, às condições e aos pressupostos para a celebração do contrato de delegação de competências ficam por definir. Em relação à determinação das matérias ou domínios sobre os quais pode incidir a delegação, o artigo 107.º do regime ora em apreciação limita-se a estabelecer que «o Estado concretiza a delegação de compe- tências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais». Não existe, por isso, uma iden- tificação, mesmo que genérica ou pouco densa, das matérias em causa. Assim, a determinação do objeto da delegação de competências nas autarquias vai depender apenas da concretização das referidas cláusulas gerais, mediante um ato da função administrativa (a delegação de competências), a realizar através da celebração de contrato interadministrativo. Todos esses aspetos determinantes da delegação de competências são, portanto, deixados por regular ou “em branco”, para concretização posterior pela administração. De relevante, a lei limita-se, afinal, a prever a figura contratual da delegação de competências entre Estado e municípios, desta forma, abdicando do seu papel de regulação primária da matéria. 50. Ora, o regime em presença não incide numa área constitucionalmente neutra face à menor vincu- lação da administração à lei. No âmbito da definição das competências – e da possibilidade de delegação de competências, em concreto – a Constituição estabelece expressamente a necessidade de norma legal habili- tante (artigo 111.º, n.º 2). Não se trata de exigir uma densificação total do regime, muito menos uma enumeração exaustiva ou taxativa das matérias que possam ser objeto de delegação. O que a Constituição impõe é um mínimo de densificação legal do poder de delegação. Exige-se que, pelo menos, o objeto da delegação de competências e a determinação dos órgãos do Estado com competência para delegar, mereçam um mínimo de densificação na lei que habilita a delegação, o que não se verifica no diploma em apreciação. Na verdade, o regime de delegação de competências adotado no NRJAL, pela sua vacuidade, descura a função modelar que devia assumir na partilha de tarefas entre o Estado e as autarquias, de uma forma sus- cetível de comprometer o equilíbrio do quadro descentralizador a implementar no poder local. Ao permitir que seja a própria administração a fixar, primariamente, os termos da delegação, o NRJAL não cumpre, com efeito, o referido mínimo de densificação legal exigido (e, com ele, a função constitucionalmente estabelecida da lei habilitante). Assim, terá de se concluir que o regime de delegação de competências do NRJAL constitui uma norma habilitante que não respeita os requisitos de densidade normativa mínima. Deste défice de concretização resulta a sua inconstitucionalidade por violação do artigo 111.º, n.º 2, da Constituição. 51. De salientar será ainda que para esta exigência de um mínimo de densificação legal do poder de dele- gação é indiferente estarmos num domínio de atribuições exclusivas ou partilhadas entre as pessoas coletivas em causa. Não se vê como esse facto poderia afastar a exigência constitucional de norma legal habilitante para a delegação de competências. A circunstância de a delegação de competências tomar a forma de contrato interadministrativo – com a necessária concordância de ambos os órgãos (delegante e delegado) – não conduz a uma conclusão diferente.
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