TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
407 acórdão n.º 398/13 as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais: uma abordagem a propósito de controvérsia recente acerca do direito dos municípios a uma participação variável no IRS”, em Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles , vol. I, p. 907, da edição de 2012, da Almedina). Se é este efetivamente o modelo das relações financeiras entre o Estado e as autarquias situadas nas Regiões, a necessidade já acima referida de compatibilizar o direito constitucional das regiões disporem das receitas de IRS nelas cobradas ou geradas [artigo 227.º, n.º 1, alínea j) ] com o direito também constitucional dos municípios participarem por direito próprio nessas mesmas receitas (artigo 254.º, n.º 1, da Constitui- ção), pode justificar que esta última participação, não seja realizada através duma transferência direta das respetivas verbas do Estado para aquelas autarquias, quando este já entrega a totalidade dessas receitas às Regiões. Note-se que não deixa de aceitar-se que recai sobre o Estado o dever de reconhecer o direito a essa par- ticipação, apenas ficando desonerado da obrigação de a realizar diretamente para os municípios insulares, tendo em conta que a totalidade das receitas sobre as quais recai esse direito de participação é por ele entregue às Regiões. Daí que a compatibilização dos direitos parcialmente conflituantes perfilhada pela solução sindicada não resulta necessariamente numa delegação de competências da Assembleia da República nos órgãos de governo regional, proibida pelo artigo 111.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que, segundo esta inter- pretação, o Estado apenas não está obrigado a efetuar a operação material de transferência direta para os municípios insulares das verbas correspondentes à sua participação nas receitas de IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, o que não significa que não deva ser o legislador nacional a reconhecer o direito a essa participação. Pode a solução adotada pelas normas interpretativas constantes do artigo 185.º-A da Lei n.º 55-A/2010, aditado pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, e no artigo 212.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e no artigo 262.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, apresentar uma maior coerência com o quadro constitucional das relações financeiras Estado/autarquias insulares, uma vez que determina que a entrega das receitas de IRS devem ser transferidas para as Regiões já deduzidas dos montan- tes apurados, por aplicação do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) , e 20.º da LFL, cabendo, depois, ao Estado transferi-los diretamente para os municípios das Regiões. Contudo, num cenário em que as referidas receitas sejam entregues, na sua totalidade, às Regiões, uma interpretação que exclua o Estado da obrigação de proceder à transferência direta de parte dessas receitas aos municípios insulares, encontra-se justificada, não ofendendo o disposto no artigo 238.º, n.º 2, da Constituição. O recorrente invoca ainda que a solução sustentada na decisão recorrida diferencia injustificadamente os municípios continentais e insulares. Na verdade, tal como acontece em relação aos restantes sujeitos jurídicos, também no que respeita espe- cificamente às autarquias locais pode ser convocado o princípio da igualdade enquanto fator de controlo da correção do tratamento que lhes é dispensado pelo ordenamento jurídico, sendo este, aliás, um dos princí- pios estruturantes do seu estatuto constitucional. Relativamente aos municípios, sendo pacífico que estes não se encontram todos numa situação de igual- dade entre si, é por força do reconhecimento das diferenças entre eles que se preveem na lei instrumentos de natureza financeira ou outra, tendo em vista atenuar e compensar essas diferenças. Assim, poderá justificar-se a existência de diferenças de regime jurídico entre os municípios, justificadas pelas concretas condições de cada um (condições geográficas, demográficas, sociais, económicas, etc.), podendo também ser introduzidos e ponderados regimes jurídico-financeiros concretos diferenciados em função dessas condições. Uma das áreas em que se manifesta esta vertente do princípio da igualdade entre as autarquias é, como vimos, justamente no plano da autonomia financeira local e, concretamente, no âmbito das transferências do Estado para os municípios, domínio em que é concebível a introdução de discriminações positivas, tendo em vista a obtenção de verdadeira igualdade entre municípios.
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