TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
406 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Este reconhecimento tem pressuposta a ideia de que as autarquias locais têm de dispor de património e recei- tas próprias que permitam conferir operacionalidade e tornar praticável a prossecução do interesse público, concretamente, dos interesses específicos e próprios das respetivas populações. Assim, para que possam levar a cabo o conjunto de tarefas que estão incluídas nas suas atribuições e competências, é colocada à disposição das autarquias locais um conjunto de mecanismos legais e operacionais suscetíveis de as tornarem exequíveis, designadamente a possibilidade de disporem de património e receitas próprias, gozando, assim, de autono- mia financeira. Esta autonomia financeira é concretizada pelo legislador constitucional mediante o reconhecimento às autarquias locais da titularidade de património e finanças próprios, bem como da possibilidade de dispor de poderes tributários (artigo 238.º, n. os 1 e 4) e, quanto aos municípios, como acima já se referiu, através do reconhecimento da participação, “por direito próprio e nos termos definidos pela lei, nas receitas provenien- tes de impostos diretos” e do direito de disporem de receitas próprias (artigo 254.º, n. os 1 e 2). Por outro lado, o artigo 238.º, n.º 2, da Constituição, ao dispor que «o regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessá- ria correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau» tem grande importância na forma como deve ser estruturada a autonomia financeira das autarquias locais: o regime de autonomia financeira local deverá ter como finalidades a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias (numa manifesta- ção do princípio da solidariedade) e a necessária correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau (numa manifestação do princípio da igualdade). Tendo em conta o quadro normativo constitucional acima descrito, importa, pois, apreciar a interpre- tação dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) , 20.º, n.º 1, e 63.º, n.º 3, da Lei das Finanças Locais, e do artigo 42.º, n.º 1, e do mapa XIX anexo à Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, com o sentido de que não compete ao Estado proceder diretamente à transferência para os municípios das regiões autónomas das verbas relativas à participação destes na percentagem variável de até 5% do IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial. Recorde-se que o Recorrente sustenta que a interpretação normativa sindicada viola os princípios con- signados neste artigo 238.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que a mesma prevê que a justa repartição dos recursos públicos se faz entre o Estado e as autarquias locais e não entre estas e as regiões autónomas, defen- dendo ainda que diferencia injustificadamente os municípios continentais e insulares, assim como contraria o disposto no artigo 254.º, n.º 1, da Constituição, ao excluir as autarquias insulares de participarem nas receitas do IRS cobrado aos seus munícipes. Importa desde logo constatar que o critério normativo enunciado não exclui os municípios insulares de participarem nas receitas do IRS cobrado aos seus munícipes, limitando-se apenas a recusar que seja sobre o Estado que recai a obrigação de proceder à transferência direta de tais participações, uma vez que as mesmas integram as verbas relativas ao IRS que são entregues pelo Estado às Regiões, não se mostrando por isso vio- lado o disposto no artigo 254.º, n.º 1, da Constituição. Quanto à invocação da necessidade de ser o Estado a proceder diretamente à transferência para todos os municípios das verbas correspondentes à referida participação nas receitas do IRS, reconhece-se que a autonomia local, incluindo a sua vertente financeira é assegurada perante o Estado, sendo entre ele e todas as autarquias que o artigo 238.º, n.º 2, da Constituição, exige que se faça uma justa repartição dos recursos públicos. Na verdade, os fenómenos de descentralização regional e autárquica são distintos, processando-se as relações de autonomia dos municípios situados nas Regiões entre o Estado e esses municípios e não entre estes e as Regiões. Daí que se possa dizer que as autarquias situadas no território dos Açores e da Madeira se encontram politica e administrativamente mais próximas do Estado do que as respetivas Regiões Autónomas, não exis- tindo entre o Estado, as Regiões e as autarquias nelas localizadas uma relação hierárquica, linear e faseada (António Lobo Xavier e Francisco Mendes da Silva, em “A repartição dos recursos públicos entre o Estado,
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