TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
405 acórdão n.º 398/13 Importa, antes de mais, salientar que a questão em apreciação neste recurso se coloca, no essencial, numa perspetiva distinta da adotada na jurisprudência acima citada. Com efeito, nas questões apreciadas nos Acórdãos anteriores estava em causa o direito das regiões autó- nomas a não serem privadas de parte das receitas de IRS nelas cobrado, perdendo-as a favor dos municípios dessas regiões, por força de uma norma emitida pelo Estado, constando essa norma dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) , e 20.º da LFL, aplicada diretamente ou com o sentido dado pelas normas interpretativas dos artigos 185.º-A e 212.º, acima referidos. Nos presentes autos, a questão coloca-se, sobretudo, na perspetiva do direito dos municípios dessas regiões a obterem, diretamente do Estado, as transferências relativas a IRS previstas no artigo 19.º, n.º 1, alínea c) , e 20.º da LFL. Importa, pois, proceder à análise desta questão, face às normas e princípios constitucionais cuja violação poderá estar em causa. 3. Do mérito do recurso O recorrente sustenta que a interpretação normativa sindicada viola os princípios constitucionais da autonomia financeira dos municípios, da igualdade entre os municípios e da justa distribuição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias, o direito constitucionalmente consagrado a favor dos municípios de participarem, por direito próprio, nas receitas dos impostos diretos, e, ainda, o “direito de disposição regional das receitas fiscais” previsto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. Começando pela invocação deste último parâmetro, de acordo com a argumentação do recorrente, a decisão recorrida, ao considerar que têm de ser as Regiões Autónomas a transferir para os municípios nela situados o montante correspondente à sua participação no IRS, violaria o “direito de disposição regional das receitas fiscais”, consagrado no referido artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. Efetivamente, o critério normativo sob fiscalização tem como seu pressuposto que a participação dos municípios situados nas Regiões Autónomas na receita variável de IRS, prevista nos artigos 19.º, n.º 1, alí- nea c) e 20.º da LFL, faz parte das verbas relativas ao IRS cobrado ou gerado nas Regiões, estando por isso incluída nas receitas destas. Contudo, conforme este Tribunal já afirmou nos Acórdãos, supra referidos, n. os 412/12 e 568/12, seguindo a orientação já anteriormente definida no Parecer da Comissão Constitucional n.º 28/78, a com- patibilização do direito constitucional das Regiões disporem das receitas de IRS nelas cobradas ou geradas [artigo 227.º, n.º 1, alínea j) ] com o direito também constitucional dos municípios participarem por direito próprio nas receitas provenientes dos impostos diretos (artigo 254.º, n.º 1, da Constituição), justifica que o primeiro dos direitos se encontre limitado na medida da necessidade de dar cumprimento ao segundo, pelo que o critério sob fiscalização, ao efetuar essa compatibilização, não ofende o disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. Quanto aos restantes parâmetros constitucionais invocados, os mesmos tem como núcleo central o princípio da autonomia das autarquias locais. Este princípio encontra-se consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição, o qual dispõe que «o Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.» Significa isto que o princípio da unidade do Estado, consagrado nesta norma, e que constitui um dos princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional, não impede a existência de formas de descentralização territorial, concretizadas, designadamente, através da existência de autarquias locais. A consagração constitucional da autonomia local traduz, assim, o reconhecimento da existência de um conjunto de interesses públicos próprios e específicos de populações locais, que justifica a atribuição aos habitantes dessas circunscrições territoriais do direito de decisão no que respeita à regulamentação e gestão, sob a sua responsabilidade e no interesse dessas populações, de uma parte importante dos assuntos públicos.
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