TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
40 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL atual “miscigenação” de interesses implica «uma indispensável divisão de trabalho entre o Estado e as coleti- vidades locais» (J. C. Vieira de Andrade, “Distribuição pelos municípios da energia elétrica de baixa tensão”, in Colectânea de Jurisprudência , ano XIV/I, 1989, pp. 15 e segs., em especial, p. 19). A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado que existem domínios que não podem pertencer em exclusivo aos municípios, já que incidem sobre matérias que têm de ser vistas e prosseguidas em conexão com o todo nacional, pelo que devem estar abertas à intervenção concorrente das autarquias e do Estado (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/95; cfr. ainda Acórdãos deste Tribunal n. os 432/93, 674/95, 379/96, 548/97, 329/99, 517/99 e 560/99). A autonomia local é, assim, em larga medida, uma autonomia sub legem – o que tem importantes con- sequências no que respeita à definição e à densificação das atribuições e das competências administrativas das autarquias locais. O âmbito da autonomia administrativa varia em função das opções do legislador democrá- tico, permitindo o acolhimento de diversas formas de articulação entre Estado e autarquias. 48. O reconhecimento de uma margem de liberdade de conformação do legislador na definição do estatuto e regime autárquico não significa, contudo, que seja possível prescindir-se de vinculações jurídico- -constitucionais e da ponderação equilibrada dos interesses – locais, regionais e nacionais – em presença, respeitando as exigências que se extraem do princípio da proporcionalidade. Menos ainda, numa matéria abrangida por reserva de lei, na medida em que está compreendida no estatuto das autarquias locais [artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da CRP]. De facto, por força da Constituição, a autonomia administrativa, onde se inclui a autonomia contratual e o poder de delegação de poderes, tem sempre que resultar de lei. E a norma habilitante deve ter algum conteúdo – mesmo que mínimo. Se a Lei Fundamental estabeleceu a necessidade de regulação por ato legis- lativo, não pode o legislador, através da publicação de uma norma habilitante “em branco”, remeter o poder de dispor inovatoriamente sobre a matéria das atribuições e competências das autarquias locais para um ato da função administrativa. O quadro definidor das competências de um órgão de uma entidade administrativa não pode ser total- mente maleável pela vontade dos diversos agentes em presença. A adoção de esquemas de exercício parti- lhado de competências através de delegações de competências não dispensa a precedência de norma legal habilitante com uma densidade mínima que permita a promoção de um equilíbrio eficiente na articulação de poderes, desta forma assegurando ainda o respeito pela reserva de lei decorrente do artigo 111.º, n.º 2, da Constituição. 49. Com este enquadramento em presença, importa retomar a análise do regime do NRJAL relativo à delegação de competências do Estado nos municípios e nas comunidades intermunicipais. Num quadro de sobreposição de atribuições e de competências entre Estado e autarquias, o artigo 100.º do NRJAL pretende erigir-se como norma habilitante para a delegação de competências. Como pode retirar- -se da descrição do regime feita anteriormente, o NRJAL estabelece que o Estado e as autarquias devem articular a prossecução das respetivas atribuições (artigo 100.º, n.º 1), que essa articulação é feita através de delegação de competências (artigo 100.º, n.º 2) e que esta delegação terá a forma de contrato (artigo 103.º, n.º 1). Além da ressalva da intangibilidade das atribuições estaduais e autárquicas e da delimitação da delegação de competências ao domínio dos interesses próprios das autarquias (artigos 102.º e 107.º), o diploma estabe- lece alguns princípios gerais aplicáveis a este contrato como o da igualdade e não discriminação, constante do artigo 108.º, ou os princípios constantes do artigo 104.º, os quais, porém, nada acrescentam aos princípios já inscritos na Constituição. Estabelecem-se ainda linhas gerais do regime como a necessidade de transferência de meios com a delegação e de estudos prévios aos contratos (artigo 105.º) e o regime de cessação de vigência do contrato (artigos 106.º e 109.º).
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