TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

393 acórdão n.º 398/13 diferenciada – e o princípio constitucional da autonomia financeira dos municípios, pois, dessa forma, os municí- pios insulares ficam na dependência de um decreto legislativo (sem o qual não têm direito à participação do IRS). 15. E viola também o artigo 238.º/2 da CRP, que prevê o direito de disposição regional das receitas fiscais e que prevê que a justa repartição dos recursos públicos se faz entre o Estado e as autarquias locais, não entre estas e as regiões autónomas. Viola igualmente o direito constitucionalmente consagrado a favor dos municípios de participarem, por direito próprio, nas receitas dos impostos diretos (artigo 254.º, n.º 1). 16. E viola também o artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , porque dele decorre que as regiões autónomas têm direito a todas as receitas fiscais neles cobradas ou geradas. 17. E nem se diga, como faz o STA, que, “se pertencem às regiões autónomas as receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, incluindo o respetivo IRS (...) o Estado não pode transferir o que não tem”. Esse é um problema que o Estado tem de resolver, não podendo sacrificar nessa solução os direitos dos municípios insulares, muito menos fazer depender o seu direito à participação de um decreto legislativo regional cuja existência eles não controlam. 18. Por outro lado, essa é também uma forma inconstitucional de interpretar o artigo 19.º/1, alínea c) , da LFL, nos termos da qual “a repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objetivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através de várias formas de participação, entre as quais, como se estabelece no artigo 20.º, n.º 1 (que é também interpretado de forma inconstitucional), uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS”. 19. É que esses preceitos são corolário do direito constitucional dos municípios a uma participação do IRS, independentemente da sua localização territorial, e do próprio regime constitucional que estabelece a esse respeito (da justa distribuição dos recursos públicos) uma relação direta entre o Estado e os municípios. 20. O que significa, portanto, que, no plano do direito constituído, a solução preconizada pelo STA é incons- titucional por envolver uma interpretação inconstitucional das normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c) , 20.º, n.º 1, e 63.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, à luz do artigo 238.º, n.º 2, da CRP, bem como os princípios constitucionais da igualdade entre municípios continentais e insulares, da autonomia local (face ao Estado e às Regiões Autónomas) e da autonomia administrativa e financeira local, e também à luz do artigo 227.º/1, alínea j) da CRP. 21. Acresce ainda que, de acordo com o Acórdão recorrido, “não se trata, aqui, de se permitir que o Governo suspenda restrinja ou cancele dotações orçamentais ou transferências que correspondam à execução financeira de obrigações legais”. E prossegue esclarecendo que, na sua perspetiva, “do que se trata é de se verificar, no quadro da execução da autorização de transferência, que ela, afinal, não tem justificação legal para ser feita”. 22. Quando é evidente que, no plano constitucional, essa transferência tem de ser feita nos termos prescritos nas LOE e tem de ser feita em termos iguais para os municípios, sejam eles quais forem. 23. O que significa que as normas em causa da LOE para 2009 foram interpretadas inconstitucionalmente, em função da localização (continental ou insular) dos municípios em causa; se os municípios forem continentais, a LOE para 2009 vale nos termos nela prescritos, se foram insulares, a LOE já não vale nos termos que dela resultam claramente, fundando-se essa distinção interpretativa numa leitura inconstitucional do artigo 42.º, n.º 1, e mapa XLX anexo ã Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, em violação dos artigos e princípios constitucionais que têm vindo a ser referidos. 24. Em suma, a CRP não admite tratamento diferenciado dos municípios e o STA vem afirmar que, relativa- mente aos municípios insulares, o seu direito depende de um decreto legislativo regional, fazendo uma interpreta- ção que se julga inconstitucional do artigo 63.º, n.º 3, da LFL, que, como se disse nas alegações de recurso (e em todo o processo), tem um outro sentido e alcance. 25. Ou seja, se o legislador constitucional não distinguiu as autarquias, preconizando a justa repartição dos recursos públicos entre Estado e municípios, não pode agora o aplicador do direito, na interpretação da lei ordi- nária, vir distingui-las em termos discriminatórios, em função da sua mera localização (continental ou insular),

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