TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
39 acórdão n.º 296/13 administração a fixar livremente e em primeira linha o seu quadro de atuação quando a Constituição impõe uma reserva de função legislativa, democraticamente legitimada. Abandonar a necessidade de lei habilitante permitiria descaracterizar os poderes legalmente estabelecidos e o fim da subordinação da administração à legalidade democrática. 45. O facto de a Constituição exigir lei habilitante para a delegação de poderes, por força do artigo 111.º, n.º 2, da CRP – e para a atuação administrativa, no geral – deve ser visto não apenas como uma exi- gência formal – de existência de lei prévia – mas também como uma exigência material. A norma legal que serve de habilitação jurídico-normativa para a atuação da administração «deve possuir um grau de porme- norização suficiente para permitir antecipar adequadamente a atuação administrativa em causa» [M. Rebelo de Sousa/A. Salgado Matos, Direito Administrativo, Tomo I, p. 153; cfr. também B. Ayala, O (Défice de) Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lex, 1995, p. 178; Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina, 2003, p. 53]. 46. Assim, a norma legal habilitante da atuação administrativa tem de apresentar um mínimo de den- sidade, i. e. , tem de conter uma disciplina suficientemente precisa (densa, determinada), de forma a, no mínimo, poder representar um critério legal orientador da atuação para a administração, permitindo o res- petivo controlo por juízos de legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. A falta de um cri- tério legal efetivo, garantindo a imparcialidade e evitando a arbitrariedade, priva a função administrativa de parâmetro de atuação. Reportando-nos ao regime da delegação de poderes em apreciação, a exigência de densidade norma- tiva impõe que a lei habilitante não se apresente com um conteúdo de tal forma geral e indeterminado que redunde no exercício livre, por parte da administração, do poder de delegação. Ao deixar “em branco” a definição do núcleo e dos pressupostos do poder administrativo visado, o legislador não cumpre a exigência constitucional de elaboração de normas habilitantes da atuação administrativa num sentido material, porque permite que a administração delegue discricionariamente a sua própria competência, de forma não vinculada a uma lei prévia suficientemente precisa. Ora, a Lei Fundamental não permite conceder à administração uma tal autonomia de determinação primária, em matéria que está confiada ao legislador. A aprovação de normas habilitantes meramente formais, por falta de densidade, deixa a atuação da administração a descoberto da definição de critérios legais orientadores, inviabilizando o seu controlo e per- mitindo alterar a distribuição de competências legalmente previstas através de meros atos da função adminis- trativa, em desrespeito do parâmetro constitucional contido no artigo 111.º, n.º 2, da CRP. 47. É certo que o grau concreto de densidade constitucionalmente exigida da lei habilitante pode variar em função dos interesses em presença e da forma como a CRP regula a matéria, ou seja, na medida reservada para o legislador. Assim, nada impede a existência de espaços ou margens de livre decisão administrativa ou de autonomia contratual à administração, nos termos da lei. Existe, portanto, toda a flexibilidade para, dentro do quadro legal, proceder a uma distribuição eficiente de tarefas entre o poder legislativo e o administrativo e entre os diversos titulares do poder administrativo. Este aspeto é especialmente importante na área das relações entre Estado e autarquias locais. Neste caso, não existe uma separação constitucionalmente estabelecida, estanque e inflexível de atribuições do Estado e das autarquias, fundada numa distinção material rígida entre assuntos locais – que competiriam inteiramente e em exclusivo às autarquias – e assuntos nacionais. Significa isto que «a separação nítida entre a zona dos interesses nacionais e a zona dos interesses locais, como se de dois compartimentos estanques se tratasse, já só subsiste em alguns casos. É errado dizer que desapareceu por completo; mas deixou de corresponder à grande maioria dos casos» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, 2006, p. 491). Assim, a
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