TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contraordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa coletiva; mas antes a imposição de um dever indemni- zatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o paga- mento da multa ou coima que eram devidas. A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contraordenacional. Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contraordenação (cfr. artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infração contraordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. É esse facto, de caráter ilícito, imputável ao agente a título culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil. Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) , do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contraordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender – o que não é líquido – que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contraordenações.» Não há nenhum motivo para alterar este entendimento. 4. De facto, o preceito em análise, sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas e coimas”, impõe uma responsabilidade subsidiária aos administradores pelas multas ou coimas aplicadas a infrações por factos praticados no período do exercício do seu cargo (ou por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo) “quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa coletiva se tornou insuficiente para o seu pagamento”. Como o enunciado verbal da disposição logo evidencia, trata-se de uma responsabilidade civil por facto próprio, facto culposo causador do não pagamento pelo ente coletivo da dívida que onerava o seu património, quer porque devido a culpa sua o património da pessoa coletiva se tornou insuficiente para o pagamento, quer porque também por culpa sua o pagamento não foi efetuado quando devia, tornando-se depois impossível (nestes precisos termos, Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário , Lisboa, 2009, pp. 328-329). A responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes não provém do próprio facto típico que é caracterizado como infração contraordenacional, mas de um facto autónomo e posterior que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. E por isso esta- mos no domínio da responsabilidade ressarcitória e não já da responsabilidade sancionatória. A posição que concebe nessa forma de responsabilidade subsidiária como uma transmissão da respon- sabilidade contraordenacional para terceiro parte de uma visão utilitarista do regime legal que tende a con- siderar a medida como visando obter, por via indireta, o mesmo efeito prático que o Estado atingiria através da cobrança coerciva da coima. O facto é que não é constitucionalmente vedado ao legislador responsabilizar civilmente as pessoas que exerçam funções de administração em pessoas coletivas pelos prejuízos que tenham resultado da insuficiência do património coletivo para solver as suas dívidas, incluindo as que resultem da aplicação de coimas, quando
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