TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com efeito, um escopo premente no sentido de “restaurar a matriz enformadora dos cursos científico-huma- nísticos de ensino recorrente”, e de reproduzir no regime jurídico deste a distinção entre aqueles alunos que pretendem uma “mera certificação do ensino secundário” daqueles que “visam o prosseguimento dos estu- dos” através do acesso ao ensino superior. As normas em crise – os artigos 11.º, n. os 4 e 6, e 15.º, n.º 5 – são, pois, normas retrospetivas, isto é, nor- mas que afetam situações constituídas no passado e que continuam em formação na vigência da lei nova. Isto é assim porque a candidatura ao ensino superior é um processo de formação contínua, pelo que as normas visadas vêm, no fundo, afetar ou condicionar um processo ainda não concluído, cujas bases ou pressupostos se iniciaram em momento anterior à respetiva entrada em vigor (vide, entre outros, o Acórdão n.º 399/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Ora, fora dos casos de retroatividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo-pon- deração de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencial- mente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”. Neste sentido, “a normação que, por sua natu- reza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança (...), terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. Acórdão n.º 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Tudo está em saber, portanto, em que circunstâncias a afetação da confiança dos cidadãos deve ser considerada “inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa”, sendo sobejamente conhe- cidos os critérios que a jurisprudência constitucional estabilizou a este propósito (cfr., por exemplo, os Acór- dãos n. os 287/90, 303/90 e 399/10, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Assim, a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudes- sem contar (i) ; e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucio- nalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, o que remete para uma ponderação a efetuar nos termos do princípio da proibição do excesso (ii) . Por outras palavras, a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida legislativa à luz do princípio da proteção da confiança dependerá, em primeiro lugar, de um juízo sobre a legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, que deverão ser fundadas em boas razões, e cuja consistência carece, de acordo com a jurisprudência constitucional, da exteriorização de uma conduta estadual concludente e apta a gerar expecta- tivas de continuidade, por um lado, e da materialização ou tradução em atos (“planos de vida”) da confiança psicológica dos particulares, por outro. Comprovada essa legitimidade, segue-se, em segundo lugar, um juízo quanto à prevalência do interesse público subjacente à medida sobre o interesse individual (a expectativa legítima) sacrificado pela mesma (cfr. Acórdão n.º 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Mesmo quando as alterações legis- lativas evidenciem aquela prevalência, é ainda necessário apurar se a afetação da confiança assim implicada não é desrazoável ou excessiva, ou seja, “se o fim do legislador podia ser alcançado por via menos agressiva da confiança e dos interesses dos particulares – por exemplo, através da previsão de disposições transitórias ou indemnizatórias” (Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2011, p. 269). 4. Cumpre transpor as considerações excogitadas para o caso vertente. Ora, é certo que, como aliás é subli- nhado pelo tribunal recorrido, o legislador vinha dotando a normação aplicável ao ensino recorrente de alguma estabilidade, para isso contribuindo a não promoção de alterações legislativas num período compreendido entre 2006 e 2012. No entanto, os alunos agora afetados – e neste grupo incluem-se todos aqueles que não perspetivem o ensino recorrente com um desiderato de “mera certificação do ensino secundário”, sejam ou não já detentores dessa certificação – vinham beneficiando de um regime de privilégio injustificado relativamente aos alunos dos cursos científico-humanísticos ministrados em regime diurno e que pretendessem, igualmente,
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