TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

37 acórdão n.º 296/13 intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais”, no respeito pela “intangibilidade das atribuições estaduais, autárquicas e intermunicipais”. A “delegação de competências” concretiza-se através da celebração de contratos interadministrativos, sendo regulada pelo NRJAL e, «subsidiariamente, [pel]o Código dos Contratos Públicos e [pel]o Código do Procedimento Administrativo» (artigo 103.º). O contrato pode cessar por caducidade, revogação ou reso- lução, nos termos regulados no artigo 106.º, sendo que, no caso de delegação do Estado nos municípios ou nas entidades intermunicipais, tem a «duração do mandato do Governo», podendo ser renovado automati- camente (artigo 109.º). d) Apreciação jus-constitucional do regime de delegação de competências do Estado nos municípios e comunidades intermunicipais à luz do pedido de fiscalização 38. No requerimento é solicitada a fiscalização abstrata preventiva da constitucionalidade do regime constante do NRJAL que prevê a possibilidade de delegação de competências de «órgãos do Estado» em municípios ou comunidades intermunicipais através de um contrato interadministrativo, face ao artigo 111.º, n.º 2, da CRP e o princípio da legalidade administrativa, constante dos artigos 112.º, n.º 2, 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP. 39. O artigo 111.º da CRP, sobre a separação e interdependência de poderes, estabelece no seu n.º 2, que: «Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei». O termo “delegação de poderes” é aqui utilizado em sentido amplo, querendo abranger as realidades da transferência e da delegação de poderes [Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição (…), II, p. 47 e J. Miranda, “artigo 111.º”, in Constituição Portuguesa Anotada , Tomo II, Coimbra Editora, 2006, p. 254). Constituindo corolário lógico do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da sepa- ração de poderes, o princípio da indisponibilidade de competência, consagrado no artigo 111.º, n.º 2, da Constituição, proíbe a transferência ou delegação de poderes, sem previsão constitucional ou legal, designa- damente entre os órgãos de soberania ou de poder local. A transferência e a delegação de poderes entre estes órgãos estão, portanto, sujeitas à necessidade de um fundamento normativo expresso. No caso de poderes constitucionalmente definidos é necessário que a norma habilitante para a transferência ou delegação resulte do texto constitucional. A possibilidade de a lei autorizar a delegação de poderes apenas ocorre nos casos em que estes são originariamente atribuídos por lei. Desta forma, a Constituição impede, não apenas a alteração da divisão constitucionalmente estabelecida de atribuições e tarefas através de lei ordinária, como também impede a deturpação da divisão legalmente estabelecida de atribuições e tarefas através de atos da função administrativa. 40. Relativamente ao quadro de competências constitucionalmente estabelecido, só pode, portanto, existir delegação de poderes mediante habilitação constitucional. É o caso, por exemplo, das autorizações legislativas da Assembleia da República ao Governo e às Assem- bleias Legislativas das Regiões Autónomas no âmbito da sua reserva relativa de competência legislativa [arti- gos 165.º, 198.º, n.º 1, alínea b) , e 227.º, n.º 1, alínea b) , da CRP], da delegação de competências do Con- selho de Ministros em conselhos de ministros especializados (artigo 200.º, n.º 2, da CRP), da assembleia de freguesia nas organizações de moradores (artigo 248.º da CRP), ou a possibilidade de «atos de delegação de competências» entre o Governo da República e os executivos das Regiões Autónomas (artigo 229.º, n.º 4, da CRP). 41. A Constituição não contempla qualquer norma que permita ao Governo proceder à delegação dos poderes que constitucionalmente lhe são conferidos nas autarquias locais.

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