TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de segurança jurídica”, pois “a estabilidade do direito tornado certo pela sentença insuscetível de recurso ordinário é, igualmente, a dos direitos e interesses que declara”, tratando‑se de um “princípio irrecusável”, “considerando os valores do Estado de direito”, embora não seja um princípio “absoluto” (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitu­cional, tomo VI, 2.ª edição, Coimbra, 2005, pp. 277‑278). Como refere J. J. Gomes Ca­notilho ( Direito Constitu­cional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 264‑265), “a segurança jurí­dica no âmbito dos atos jurisdicionais aponta para o caso jul­gado”, e, “embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expres­sis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos do texto constitucional (CRP, artigos 29.º/4, 282.º/3) e é conside­rado como subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de prin­cípio garantidor de certeza jurídica”. Mas não se trata – repete‑se – de um princípio absoluto, embora a proteção constitucional de que goza natu- ralmente pres­suponha que o legislador não é inteiramente li­vre, quer na escolha dos mecanismos susce­tíveis de modificar uma decisão que a própria lei já considerara definitiva, quer na seleção das de­cisões suscetíveis de cons- tituírem caso jul­gado. Igualmente o Tribunal Constitucional tem reiteradamente reconhecido que a Constituição acolhe, designada- mente no seu artigo 18.º, n.º 2, os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança, afirmando repetidamente que, por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade, como se recordou, por último, nos Acórdãos n. os 99/02 e 494/03, com larga referência à doutrina e à jurisprudência anterior sobre o tema. No entanto, não deixou de se sublinhar nesses Acórdãos que, sendo certo que “também em matéria de criminalização o legislador não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo man­ter‑se dentro das balizas que lhe são traçadas pela Constituição”, é, por outro lado, igual­ mente certo que, “no controlo do respeito pelo legislador dessa ampla margem de liberdade de conformação, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal Constitucional só deve proceder à censura das opções legislativas manifestamente arbitrárias ou excessivas”. Entende‑se que nenhum dos aludidos princípios constitucionais é violado pela interpretação normativa aco- lhida no acórdão recorrido. Na verdade, segundo essa interpretação, a hipótese de uma pena de prisão sus­pensa na sua execução, anterior- mente aplicada a um dos crimes em concurso, vir a perder autonomia e a ser englo­bada na pena única correspon- dente ao concurso supervenientemente conhecido constitui, a par das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, um caso em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspen­são, o que, de acordo com a corrente jurisprudencial em que o acórdão recorrido se insere, nem sequer constitui violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da suspensão de execução da pena. O con­denado em pena de prisão suspensa na sua execução que tenha praticado um crime anterior­mente àquela condenação pelo qual ainda não foi julgado sabe que não só pode ter de vir a cumprir a pena de prisão suspensa se, no decurso do período da sus­pensão, infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social ou se cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, mas ainda que aquela suspensão pode não ser mantida, se a pena aplicada ao cúmulo legalmente o não permitir ou se, na ponderação final global a cargo do tribunal do cúmulo, se entender que a suspensão, no caso, se não justifica. A apontada opção legislativa – tal como foi entendida no acórdão recorrido – surge, assim, ou como não viola- dora de pretenso caso julgado formado sobre a anterior con­denação (se se sufragar a tese da provisoriedade inerente às decisões de suspensão de execu­ção de pena de prisão), ou como materialmente fundada em ponderosas razões de política criminal, que privilegiam, por considerada mais justa, o sistema da pena conjunta, em detri­mento do sistema da acumula­ção material. Trata‑se, na verdade – e com isto se responde também à crítica fundada na viola­ção do princípio da necessidade das penas –, da solução que, na perspetiva do legislador (que, em domínio de liberdade conformativa como este, só justificaria censura constitucional se se tratasse de opção legislativa manifestamente arbitrária ou excessiva), corres- ponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo.

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