TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
349 acórdão n.º 340/13 Com efeito, apesar da absoluta necessidade de cooperação dos contribuintes nas tarefas da administra- ção tributária, não está completamente vedada a estes a possibilidade de recusar tal colaboração. De acordo com o artigo 63.º, n.º 4, na redação originária da LGT (a que, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 37/2010, de 2 de setembro, corresponde atualmente, com pequenas alterações, o n.º 5) é legítimo ao contribuinte não cooperar na realização das diligências previstas no n.º 1, quando as mesmas impliquem: a) O acesso à habitação do contribuinte; b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos; c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos; d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei. E na previsão desta última alínea não deixam de estarem incluídas as garantias de defesa em processo penal, designadamente o direito à não autoincriminação, o qual, como já vimos, é extensível à fase inspetiva tributária, havendo ainda quem sustente ser igualmente aplicável o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 89.º do Código do Procedimento Administrativo, ex vi do artigo 2.º da LGT, na qual se reconhece legitimi- dade à recusa em colaborar sempre que isso implique a revelação de factos “puníveis, praticados pelo próprio interessado, pelo seu cônjuge ou por seu ascendente ou descendente, irmão ou afim dos mesmos graus” (Cfr. Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, na ob. cit. , p. 56). E, em caso de oposição do contribuinte com fundamento nestas circunstâncias, «a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fun- damentado da administração tributária» (n.º 5 do artigo 63.º da LGT, na redação originária, correspondente ao atual n.º 6, por força de renumeração operada pela Lei n.º 37/2010, de 2 de setembro). Significa isto que, nas situações previstas no artigo 63.º, n.º 4, da redação originária da LGT (atual n.º 5), o contribuinte não está colocado, pura e simplesmente, perante a alternativa de cumprir o dever de cooperação, dando lugar a que a administração tributária venha a obter, à sua custa, a prova que sustenta a acusação por crime fiscal, ou de recusar a colaboração, sujeitando-se a ser sancionado com a aplicação da correspondente pena ou coima por essa falta de colaboração, podendo legitimamente recusá-la, nos casos e termos acima referidos, o que constitui uma primeira válvula de escape que atenua as exigências decorrentes do dever de colaboração. Além disso, assistirá também ao contribuinte sujeito a fiscalização, o direito a requerer a sua constituição como arguido, sempre que estiverem a ser efetuadas diligências destinadas a comprovar a suspeita da prática de um crime, nos termos do artigo 59.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o que permitirá que este passe a dispor dos direitos inerentes ao respetivo estatuto, designadamente o direito à não autoincriminação. Finalmente, a utilização como prova em processo penal de documentos obtidos na atividade de fisca- lização tributária, não deixará de ser proibida, nos termos do artigo 126.º, n.º 2, alínea a) , do Código de Processo Penal, quando se revele que a entidade fiscalizadora tenha desencadeado ou prolongado delibe- radamente a fase inspetiva, com a finalidade de recolher meios de prova para o processo penal a instaurar, abusando do dever de colaboração do contribuinte. Assim, numa ponderação entre o princípio nemo tenetur se ipsum accusare e a restrição que ao mesmo é imposta no caso concreto e os valores constitucionais que se pretendem salvaguardar com essa restrição, é de entender que a mesma não se revela desproporcionada. Pelo exposto, há que concluir que a interpretação normativa em questão não viola qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente o direito à não autoincriminação, incluído nas garantias de defesa do arguido em processo penal, asseguradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nem qualquer dos restantes direitos constitucionais invocados pelo recorrente. Deste modo, deve ser negado provimento ao recurso interposto.
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