TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

348 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL processo contraordenacional, movido pela mesma entidade (em pareceres publicados em Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova , Almedina, 2009). Apesar de neste caso estarmos perante a utilização como prova de documentos em processo penal, o resul- tado da admissibilidade da compressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare não deve ser diferente. Assim, e começando pelo primeiro dos aludidos pressupostos de admissibilidade dessas compressões, dúvidas não restam no sentido de que as restrições em análise resultam de previsão legal prévia e expressa, com caráter geral e abstrato, como acima se revelou, mostrando-se por isso respeitadas as exigências decor- rente do princípio da legalidade. Por outro lado, e no que respeita ao segundo dos pressupostos, as restrições em causa são funcional- mente destinadas à salvaguarda de outros valores constitucionais. Com efeito, como é sabido, nas sociedades ­modernas, o direito tributário reveste-se de enorme complexidade, sendo que o sistema fiscal e as normas relativas ao procedimento tributário têm em vista a realização de tarefas fundamentais do Estado e a salva- guarda de outros valores constitucionais. É aliás, o que resulta do artigo 103.º, n.º 1 da Constituição, ao esta- belecer que o sistema fiscal tem como finalidade a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. E é justamente essa importância do sistema fiscal que leva a que, no âmbito da fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais, se estabele- çam os referidos deveres de cooperação dos contribuintes, dos quais poderão resultar a compressão de alguns direitos destes, compressão essa que é entendida como necessária no sentido de evitar que aquela superior e pública finalidade do sistema fiscal se mostre comprometida. Ou seja, tais restrições estão previstas no qua- dro das funções exercidas pela administração tributária destinadas ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, sendo que não se poderá deixar de reconhecer a importância e necessidade dessa fiscalização, sendo imprescindível quer a imposição de deveres de cooperação aos contribuintes, quer a possibilidade da posterior utilização dos elementos recolhidos em processo penal desencadeado pela verificação de indícios de infração criminal. Na verdade, no domínio tributário, a necessidade da imposição de deveres de cooperação é não só per- feitamente justificada, como dificilmente prescindível. Espraiando-se o fenómeno tributário nas sociedades contemporâneas pelos mais diversos tipos de imposto, aplicáveis a uma multiplicidade de atividades e situa- ções, a sua realização seria impensável sem o recurso a instrumentos como o dever acessório de cooperação dos contribuintes, deslocando para a esfera destes uma série de atividades que auxiliam e substituem a admi- nistração tributária na sua função de liquidação e cobrança de impostos. Por outro lado, como a aplicação duma sanção penal exige a prova da prática do ilícito imputado ao arguido, a inutilização dos elementos recolhidos durante a inspeção à situação tributária conduziria a uma quase certa imunidade penal, como resultado da colaboração verificada na fase inspetiva. Parafraseando Costa Pinto (na ob. cit. p. 107): o cumprimento da lei na fase de inspeção acabaria por impedir o cumpri- mento da lei na fase sancionatória, não sendo possível que um sistema jurídico racional subsistisse com uma antinomia desta natureza. E a restrição em causa respeita o critério da proporcionalidade, sendo adequada, isto é, constituindo um meio idóneo para a prossecução e proteção dos referidos interesses merecedores de proteção constitucional, e necessária, em virtude da mesma corresponder quer a um meio exigível no sentido de obter o fim da eficiên- cia do sistema fiscal, objetivo esse que não se mostra que seria alcançável através de mecanismos alternativos que se revestiriam de excessiva onerosidade para a administração tributária, quer pelo dispêndio de recursos e de tempo, quer pelo risco de ineficácia, face à complexidade, dimensão e multiplicidade de atividades e situações a que têm de responder os modernos sistemas fiscais, no quadro de uma “Administração de massas”. Acresce ainda que as referidas restrições respeitam a proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que se podem considerar equilibradas, visto que contém mecanismos flanqueadores que salvaguardam uma ade- quada ponderação dos concretos bens jurídicos constitucionais em confronto, ou seja, entre o direito que é objeto de restrição e dos valores ou interesses que justificam a restrição.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=