TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

347 acórdão n.º 340/13 Tendo presente que, no campo tributário, a realidade sob fiscalização da administração estadual coin- cide, pelo menos parcialmente, com os elementos fácticos que integram os tipos incriminadores e que os poderes de fiscalização das situações tributárias dos contribuintes e os poderes de investigação no âmbito de processos de natureza penal, neste domínio, estão, no nosso ordenamento jurídico, atribuídos pela lei às mesmas entidades [cfr. artigos 40.º, n.º 2, 41.º, n.º 1, alíneas a) e b), 52.º e 59.º do RGIT], há o risco de que a atividade inspetiva funcione como uma antecâmara do processo penal, sendo no seu decurso que são recolhidos os elementos que motivam a instauração de um procedimento criminal. Daí que tenha justificação que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare ultrapasse as barreiras formais do processo penal e que, nestes casos, se estenda a esta interação entre o processo inspetivo e o processo penal, embora a proteção conferida por este princípio tenda a relativizar-se, cedendo mais facilmente no confronto com outros princípios, direitos ou interesses merecedores de tutela, que têm de ser harmonizados em concreto, por meio de uma compatibilização ou concordância prática, dado intervir em zona periférica da sua área de atuação. Sendo certo que a imposição aos contribuintes de deveres de cooperação com a administração tributá- ria, que poderá incluir a entrega, a solicitação desta, de documentos que, depois, num processo de natureza sancionatória penal, possam ser usados contra esses próprios contribuintes, constitui uma compressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, que se traduz numa restrição não desprezível daquele princípio, importa apreciar se tal restrição é ou não constitucionalmente aceitável. A resposta a essa questão terá de passar pela verificação dos pressupostos enunciados no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, como condição da admissibilidade de restrições a direitos, liberdades e garantias: estarem essas restrições previstas em lei prévia e expressa, de forma a respeitar a exigência de legalidade e obedecerem tais restrições ao princípio da proporcionalidade, tendo como finalidade a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que extrai os direitos ao silêncio e à não autoin- criminação no direito ao processo equitativo, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, já tem ponderado a aplicação desses direitos em situações semelhantes à do presente recurso (analisando esta jurisprudência, Ana Paula Dourado/ Augusto Silva Dias, em “Information duties, aggressive tax planning and the nemo tenetur se ipsum accusare in light of Article 6 (1) of the ECHR”,  Kofler, G., Maduro, M., Pistone, P. (eds.), em Taxation and Human Rights in Europe and the World, pp. 131 e segs. edição de 2011, da IBFD Publications, e Joana Costa, em “O princípio nemo tenetur na Jurisprudência do Tri- bunal Europeu dos Direitos do Homem”, na Revista do Ministério Público , Ano 32  n.º 128, pp. 117 e segs.). Nos casos Funke v. França (acórdão de 25 de fevereiro de 1993), J. B. v. Suíça (acórdão de 3 de maio de 2001) e Shannon v. Reino Unido (acórdão de 4 de outubro de 2005), o TEDH sustentou que a aplicação de sanções à falta de colaboração de contribuintes na entrega de documentos ou na prestação de informações, sobre os quais já recaía a suspeita da prática de ilícitos criminais violava o artigo 6.º da Convenção. E no caso Saunders v. Reino Unido (acórdão de 17 de dezembro de 1996), na mesma linha, se decidiu que violava o mesmo artigo 6.º da Convenção, a utilização em processo penal de prova recolhida em investigação não judicial, mediante a colaboração do arguido, obtida sob coerção da aplicação de sanções, quando sobre ele já recaíam suspeitas da prática do crime pelo qual viria a ser acusado. Já este Tribunal, no Acórdão n.º 461/11 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , relativamente à utilização em processo contraordenacional de elementos recolhidos pela Autoridade da Concorrência nas suas atividades de fiscalização e supervisão, entendeu estarmos perante uma restrição admissível do princípio da não auto-incriminação, tendo contudo, na sua argumentação valorado especialmente a circunstância de estarmos perante a possibilidade de aplicação de meras sanções contraordenacionais. O mesmo concluíram Figueiredo Dias, Costa Andrade e Costa Pinto, relativamente a documentos recolhidos pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, posteriormente utilizados como prova em

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=