TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
345 acórdão n.º 340/13 pessoa humana, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 32.º, n. os 1, 4 e 8, e 34.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 6.º, n.º 1, da CEDH. Apesar de invocar a violação de múltiplos parâmetros constitucionais, o Recorrente centra a discussão na violação dos direitos do arguido ao silêncio e à não autoincriminação, tendo também sido esse o modo como a decisão recorrida enquadrou a questão de constitucionalidade. O direito ao silêncio tem vindo a ser reconhecido pela legislação processual penal da maioria dos orde- namentos jurídicos dos Estados de direito modernos, encontrando também consagração expressa em instru- mentos jurídicos internacionais (cfr. artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da ONU). Intimamente ligado ao direito ao silêncio está o direito do arguido à não autoincriminação, entendido como o direito de não contribuir para a sua própria incriminação, conhecido pelo brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare . É facilmente explicável a relação deste direito com o direito ao silêncio, uma vez que, não sendo reconhecido ao arguido o direito a manter-se em silêncio, este seria obrigado a pronunciar-se e a revelar informações que poderiam contribuir para a sua condenação. A Constituição da República Portuguesa não consagra expressis verbis este princípio, mas, não obstante essa não consagração expressa, tanto a doutrina como a jurisprudência têm defendido que o nemo tenetur se ipsum accusare tem assento constitucional, sendo considerado um direito constitucional do processo penal não escrito (cfr., neste sentido, Manuel da Costa Andrade, em Sobre as proibições de prova em processo penal , pp. 120 e segs., Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, em “Poderes de supervisão, direito ao silêncio e provas proibidas (Parecer)”, in Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Almedina, 2009, pp. 38-39 e Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O direito à não autoinculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contraordenacional português , Coimbra Editora, 2009, pp. 14-15, e os Acórdão do Tribunal Constitucional n. os 695/95, 304/04, 181/05, 155/07 e 461/11, acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt ) . Os direitos ao silêncio e à não autoincriminação devem considerar-se incluídos nas garantias de defesa que o processo penal deve assegurar (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), não deixando estes direitos pro- cessuais de proteger mediata ou reflexamente a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais com ela conexos, como sejam os direitos à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à privacidade, não se revelando necessário, para sustentar o acolhimento constitucional, o recurso a parâmetros mais genéricos ou distantes como o direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) ou à presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição). O princípio nemo tenetur se ipsum accusare, é uma marca irrenunciável do processo penal de estrutura acusatória, visando garantir que o arguido não seja reduzido a mero objeto da atividade estadual de repres- são do crime, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumivelmente inocente. Daí que para proteção da autodeterminação do arguido, este deva ter a possibilidade de decidir, no exercício de uma plena liberdade de vontade, qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objeto do processo. Este princípio, além de abranger o direito ao silêncio propriamente dito, desdobra-se em diversos coro- lários, designadamente nas situações em que estejam em causa a prestação de informações ou a entrega de documentos autoincriminatórios, no âmbito de um processo penal. Tal princípio intervém no processo penal sob duas formas distintas: preventivamente, impedindo solu- ções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação e repressivamente, obrigando à desconsideração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido. Mas tem sido também reconhecido que o direito à não autoincriminação não têm um caráter absoluto, podendo ser legalmente restringido em determinadas circunstâncias ( v. g. a obrigatoriedade de realização de determinados exames ou diligências que exijam a colaboração do arguido, mesmo contra a sua vontade).
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