TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso No seu requerimento de interposição de recurso, o recorrente indicou, como objeto do mesmo, a inter- pretação que se extrai do disposto nos artigos 61.º, n.º 1 alíneas b) e d) , 125.º, 126.º, n.º 2, alíneas d) , e) e n.º 3, 174.º, n.º 3, e 176.º, 178.º, 179.º e 182.º, n.º 1, 267.º, 268.º, n.º 1, alínea d) , 269.º, n.º 1, alíneas c) e d) e 270.º, n.º 1, alínea d) , do Código de Processo Penal, no sentido de que podem ser usadas como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal, documentos cedidos por funcionários de uma empresa ou pelos agentes do crime, seus gerentes, a uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação previsto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n. os 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da LGT, obtidos a pedido dessa inspeção, quer pessoalmente, quer através de recolha desses documentos nas suas instalações, sem cumprir o ritualismo previsto no Código de Processo Penal para a apreensão de documentos e para uma busca, por entender que a mesma é inconstitucional por violação do prin- cípio do Estado de direito, do direito à integridade moral, à reserva da intimidade da vida privada, o princípio das garantias de defesa, o princípio da tutela jurisdicional dos atos instrutórios e de inquérito, inviolabilidade da correspondência, o princípio do processo equitativo e a dignidade da pessoa humana, consagrados nos arti- gos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 32.º, n. os 1, 4 e 8, e 34.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Importa simplificar, para melhor compreensão, o enunciado do critério normativo impugnado que foi sustentado na decisão recorrida. Em primeiro lugar, não estando particularmente em causa os concretos modos como a inspeção tributá- ria acedeu aos documentos posteriormente usados como prova em processo penal, sendo suficiente a menção genérica e remissiva a que os mesmos foram obtidos ao abrigo do dever de cooperação imposto ao arguido nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n. os 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da LGT, devem ser eliminadas as referências a algumas das concretas modalidades de obtenção dos documentos com a colaboração do arguido. Em segundo lugar, basta a menção a que os documentos foram obtidos ao abrigo do referido dever de cooperação em inspeção tributária para daí resultar que tal não foi feito com recurso aos meios de obtenção de prova regulados no Código de Processo Penal, designadamente a apreensão de documentos e as buscas, revelando-se por isso desnecessária, por redundante, esta referência. Além disso, como é referido no Acórdão recorrido e é também realçado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, a maior dos preceitos legais indicados pelo Recorrente são estranhos à questão que por este é colocada. Ou seja, tais preceitos não foram objeto de interpretação e aplicação pelo tribunal a quo, nem expressa, nem implicitamente. A decisão recorrida apenas menciona expressamente o artigo 61.º, n.º 1, alínea d) , do Código de Pro- cesso Penal, e aplica implicitamente o artigo 125.º, do mesmo diploma, uma vez que admite a prova resul- tante dos documentos em causa, por considerar que a mesma não é proibida por aplicação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare , pelo que a interpretação normativa a fiscalizar deve apenas reportar-se a estes dois preceitos legais. Assim, neste recurso deve proceder-se à fiscalização da norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) , e 125.º, do Código de Processo Penal, com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n. os 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da LGT, podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte.
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