TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
340 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL administrativo de investigação anterior, mediante a imposição coativa de um dever de colaboração sobre o investi- gado, viola o direito a um processo equitativo.” 22.ª Quer isto dizer que o direito à não autoinculpação compreende o direito a negar-se a fornecer quaisquer informações, sejam orais, sejam escritas, e impede, por sua vez no processo sancionatório se possam ter em conta as provas obtidas num procedimento anterior, sob ameaça de uma sanção. 23.ª Assim, os documentos constantes de fls. 36 e seguintes, 47 a 62, os documentos constantes dos anexos, maioritariamente constituídos por faturas e outros documentos fiscalmente relevantes “detetados em vários clien- tes – incluindo nas instalações da empresa B., Lda. gerida pelo recorrente – emitidas pelo contribuinte” e outros extraídos do processo de inspeção tributária não podem ser valorados como prova. 24.ª E, por outro lado, o depoimento da testemunha C. que dirigiu a inspeção tributária, na medida em que teve acesso, durante as inspeções tributárias realizadas também não poderia ser valorado, porquanto o seu conheci- mento dos factos advinha da inspeção tributária realizada (conforme se verá da sua transcrição) e, em consequência, de meios de prova obtidos ilegalmente em face do processo penal. 25.ª Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça tem sustentado esta perspetiva do princípio nemo tenetur ao asseverar no seu acórdão de 5 de janeiro de 2005 (Proc. 4P3276) que “O privilégio contra a auto incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações) sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória”. Afinando pelo mesmo diapasão, Lara Sofia Pinto tem defendido que “O privilégio contra a autoincriminação traduz-se no direito a não cooperar no fornecimento de quaisquer meios de prova para a sua incriminação.” – cfr. Paulo Marques, in O Crime de Abuso de Confiança Fiscal, Problemas do Atual Direito Penal Tributário, p. 121 (Também neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2010 (disponível in www.dgsi.pt ), relatado por Henriques Gaspar, o Acórdão do Tribu- nal da Relação do Porto de 23 de maio de 2012 (disponível in www.dgsi.pt ), relatado por Melo Lima, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 17 de abril de 2012 (publicado in www.dgsi.pt ), relatado por Simões de Carvalho, todos supra transcritos e para os quais se remete. 26.ª Assim, ao contrário do defendido no acórdão recorrido o direito à não autoinculpação não deve ser postergado ou comprimido por qualquer outro dever do contribuinte, designadamente o de cooperação com a Administração Tributária. Fazê-lo seria defender que o arguido deve contribuir para a sua condenação e, no fundo, inverter o ónus da prova no âmbito do processo penal, manietando o arguido, tomando-o um objeto, conforme os interesses da investigação, violando frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1.º da Constituição. 27.ª Por outro lado, nem sequer se deve admitir relativamente a uma pessoa coletiva a restrição do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, e muito menos se podem usar provas recolhidas na fase pré-investigatória passíveis de incriminar uma pessoa singular, como é o caso do recorrente (cfr. neste sentido, Liliana da Silva de Sá, in Ciência e Técnica Fiscal, 2004, n.º 414, pp. 171 e segs.). 28.ª De facto, a colaboração do arguido deve constituir a forma menos onerosa para este de obter o esclare- cimento dos factos que sejam relevantes para a decisão do processo criminal, salvo autorização judicial concedida pelo Tribunal, pelo que se acha violado também o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da Constituição. 29.ª Acresce que, como acima se referiu a utilização em processo penal das provas obtidas num processo admi- nistrativo, mediante a imposição coativa de um dever de colaboração sobre o investigado, viola o direito a um processo equitativo (Processo Saunders vs United Kingdom ). 30.ª Assim, deve concluir-se que interpretação que se extrai do disposto no artigo 61.º n.º 1 alíneas b) e d) , 125.º, 126.º n.º 1 alíneas d) , e) e n.º 3, 174.º n.º 3 e 176.º, 178.º, 179.º e 182.º n.º 1, 267.º, 268.º n.º 1 alínea d) , 269.º n.º 1 alínea c) e d) e 270.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal no sentido de que podem ser usadas como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal, documentos cedidos por funcionários de
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