TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
338 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2.ª Na verdade, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, o sujeito passivo do imposto está sujeito e obrigado a um rol de deveres que não se coadunam com os direitos do arguido, designadamente ao silêncio e à não autoincriminação. 3.ª Com efeito, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei 413/98 de 31 de dezembro, o sujeito passivo alvo de inspeção tributária está sujeito ao dever de cooperação, cominando a lei, a recusa de colaboração e a oposi- ção à ação de inspeção tributária, com a eventual responsabilidade contraordenacional e criminal do infrator (cfr. o artigo 32.º n.º 1 do RGCPIT). 4.ª Por outro lado, no que concerne às garantias de eficácia do procedimento de inspeção tributária, o sujeito passivo deve facultar à inspeção todas as condições necessárias à eficácia da sua ação, designadamente livre acesso às instalações e dependências da entidade inspecionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções. 5.ª Efetivamente, os inspetores têm ainda direito ao exame, requisição, e reprodução de documentos em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos (cfr. o artigo 28.º n. os 1 e 2 do supra citado diploma). 6.ª A todos estes direitos dos inspetores tributários, acrescem ainda aqueles constantes do disposto nos artigos 29.º e 30.º do diploma em causa, aos quais correspondem os deveres para os sujeitos passivos, designadamente, de prestar declarações, deixar aceder, consultar e testar sistemas informáticos, correspondência recebida e expedida, apreender elementos de escrituração ou quais quer outros elementos, entre outras obrigações. 7.ª Ora, a obtenção de documentos, cópias, acesso aos sistemas informáticos e correspondência no âmbito do processo penal, estão devidamente reguladas e têm de obter despacho do Juiz de Instrução, que, por isso mesmo, é apelidado de Juiz das Liberdades, pelo que, não pode manter-se nos autos prova que, obtida no âmbito da inspeção tributária, não respeitou, nem respeita os princípios estruturantes do processo penal português. 8.ª É que, escancarando-se as portas do processo penal à prova obtida no âmbito do Procedimento de Inspeção Tributária, está-se a violar os princípios de proibição de autoinculpação do arguido, o seu direito ao silêncio e o direito de ver escrutinado pelo Juiz de Instrução o acesso a documentos e outro elementos de prova, 9.ª Com efeito, há, na inspeção tributária, uma atividade pré-investigatória que se desenrola sem que exista o mínimo controlo jurisdicional da autoridade judiciária, pelo que os meios de prova que sejam carreados para o processo penal, oriundos do processo de inspeção tributária que não sejam a posteriori validados pela autoridade judiciária competente, não podem ser valorados em sede processual penal, sob pena de violação do princípio do Estado de direito, do acusatório, das garantias de defesa, da presunção da inocência e da garantia jurisdicional. 10.ª A clara separação dos dois processos é absolutamente indispensável para que possa ser dado sentido pró- prio à diferença essencial da qualidade em que neles o agente intervém, em homenagem à diversidade de princípios em que ambos se inspiram, sendo certo que mesmo que se entendesse que a atuação da inspeção tributária pudesse ter amparo no disposto nos artigos 37.º do RGIT e dos artigos 251.º e 252.º do Código de Processo Penal – e não têm, porquanto tais normas nunca foram invocadas – , os elementos de prova apenas poderiam ser integrados no processo depois da sua aceitação ou confirmação pela autoridade judiciária competente. 11.ª Esta atividade pré-processual é “facilitada” aos inspetores tributários, tendo em conta o dever de coopera- ção que é reforçado pela cominação do cometimento de um crime, caso o contribuinte não coopere, nos termos do artigo 32.º n.º 1 do RGCPIT, vendo-se assim, o contribuinte numa camisa de sete varas: ou seja, ou coopera e vê-se na contingência de contribuir para a sua incriminação, ou não coopera e do mesmo modo comete um crime. 12.ª Toda esta problemática acaba, assim, por entroncar no direito que o arguido tem a não se autoinculpar. Direito esse que acaba por sair vergado e restringido, no conflito deveres e direitos que o arguido ou qualquer cidadão tem em cooperar com a administração tributária sob pena de cometer um crime e fazendo-o de se estar a autoinculpar. 13.ª Ora, a cooperação do arguido no âmbito do processo crime deve ser livre e esclarecida, porquanto “O que aqui está fundamentalmente em jogo é garantir que qualquer contributo do arguido, que resulte em desfavor da sua posição, seja uma afirmação esclarecido e livre de autorresponsabilidade. Na liberdade de declaração espelha-se,
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