TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concessionárias. A extensão da disciplina do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 421/83, nos termos considerados pelo acórdão recorrido, representa, portanto, a aplicação de norma que, em si, é inexequível, no tocante às empresas concessionárias, e, em especial à empresa que figura na acção como ré. O que sucede, no caso vertente, é que existe uma situação de ilegalidade por omissão de regulamentação que é imputável ao Governo. Essa situação de inércia ou demora na emissão do regulamento, na medida em que é susceptível de afectar os trabalhadores das empresas concessionárias, que se encontram numa situação de discrimi- nação relativamente aos trabalhadores em geral, no que respeita à remuneração do trabalho suplementar, legitima esses trabalhadores ou as suas associações representativas a interpor perante o tribunal administrativo um pedido de declaração de ilegalidade de norma por omissão, que em caso de procedência, acarreta que o tribunal fixe um prazo à entidade competente para suprir a omissão (artigo 77.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Admi- nistrativos). Noutra perspectiva, a inércia regulamentar poderá desencadear uma responsabilidade civil do Estado, por forma a que os cidadãos lesados possam obter uma indemnização, com base num sacrifício especial e grave resultante do acto omissivo da Administração (Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, 1974, Coimbra, pp. 198-201).» Não foi este, porém, o entendimento adoptado pelo acórdão recorrido, que, como se disse, decidiu a questão do pagamento dos descansos compensatórios não gozados por aplicação do regime regulado no Decreto-Lei n.º 421/83, concretamente o resultante do n.º 6 do artigo 9.º, afastando, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, a aplicação da norma do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 421/83. 7. O n.º 5 do artigo 112.º da Constituição [na redação da Lei Constitucional n.º 1/2004; na numera- ção anterior correspondia-lhe o n.º 6 do mesmo artigo] dispõe que “[n]enhuma lei pode criar outras catego- rias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”. O preceito afirma o princípio da tipicidade dos actos legislativos, com a consequente “proibição de actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor da lei” e consagra a ideia de que as leis não podem autorizar que as suas próprias interpretações, integração, modificação, suspensão ou revogação sejam levadas a efeito por outro acto que não seja uma outra lei (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, p. 70). Trata-se, antes de mais, de um limite material do próprio poder legislativo. Uma lei não pode autorizar, relativamente ao seu próprio conteúdo, regulamentos revogatórios, derrogatórios, modificativos ou suspen- sivos (os chamados “regulamentos delegados”). O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado sobre a norma constitucional em causa, como nos dá conta o Acórdão n.º 586/01 (disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/ ) . Assim, os Acórdãos n. os 203/86, 354/86, 19/87, 1/92 e 262/97, respeitantes a regulamentos interpretativos (publicados no Diá- rio da República , II Série, de 26 de agosto de 1986, 11 de abril de 1987, 31 de março de 1987, I Série-A, de 20 de fevereiro de 1992 e 1 de julho de 1997, respectivamente); os Acórdãos n. os 303/85, 34/86, 389/89 e 869/96, sobre regulamentos modificativos, publicados no Diário citado, II Série, de 10 de abril de 1986, 13 de maio de 1986, 13 de setembro de 1989, e I Série-A, de 3 de setembro de 1996, respectivamente; o Acórdão n.º 189/85, sobre regulamentos suspensivos, no mesmo Diário, I Série, de 31 de dezembro de 1985; os Acórdãos n. os 458/93 e 743/96 ( Diário da República , I Série-A, de 17 de setembro de 1993 e de 18 de julho de 1996, respectivamente), que se referem a actos de natureza não regulamentar, como sejam os actos regimentais e os actos jurisdicionais (“assentos”); os Acórdãos n. os 308/94, 224/95 e 194/99, incidentes sobre a não aplicação do n.º 5 do artigo 115.º e do novo n.º 6 [actual n.º 5] do artigo 112.º às relações entre actos regulamentares (publicados no mesmo jornal oficial, II Série, de 29 de agosto de 1994, 28 de junho de 1995 e 6 de agosto de 1999, respectivamente).
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