TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

239 acórdão n.º 314/13 razoabilidade e proporcionalidade de outra imposição, igualmente limitativa da autonomia da vontade, mas agora com o sentido oposto: proibição (indireta) ratione valoris da remição facultativa total, cerceando ao sinistrado essa opção, mormente em casos, como o presente, de perda da capacidade de ganho com expressão inequivocamente reduzida (IPP de 3%), deixando praticamente intocada a suscetibilidade do sinistrado de angariar meios de subsistência através do desenvolvimento regular de atividade laboral. Será essa proibição ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa indemnização, consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, alínea f ) ,da Constituição, como considerou o tribunal a quo ? 12. Importa começar por dizer que a resposta afirmativa a essa questão não encontra apoio na doutrina do Acórdão n.º 302/99, citado na decisão recorrida. Não só os parâmetros então equacionados eram dis- tintos, como das suas conclusões não resultam argumentos no sentido da ilegitimidade constitucional da ­escolha do legislador democrático na imposição de restrições à autonomia da vontade do trabalhador funda- das apenas no montante da pensão fixada. Com efeito, o Acórdão n.º 302/99 apreciou questão normativa decorrente do disposto artigo 64.º, n.º 2, do Decreto n.º 360/71, de 21 de agosto, conjugado com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de novembro, no sentido de não permitir, “em circunstância alguma, nem a remição nem a atualização das pensões decorrentes de incapacidades iguais ou superiores a 20% e inferiores a 30%”. E, inversamente do que se afirma no despacho recorrido, não foi com base “nestes pressupostos” que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a proibição da remição de pensão anual vitalícia por incapacidade situada entre 20% e 29%. Para tanto, articulou, como elemento determinante do juízo formulado, a circunstância da pensão anual não ser atualizável e, nessa medida, em virtude de continuada erosão monetária, incapaz de assegurar duradouramente uma subsistência condigna, na mesma proporção da perda da capacidade de ganho. Afastado o argumento da ausência de atualização – que, como se viu, não pode ser aqui aceite como premissa incontroversa – verifica-se que o Acórdão n.º 302/99 acolhe o entendimento de que os limites à remição total da pensão anual vitalícia, e inerente restrição à tutela da autonomia da vontade do próprio tra- balhador lesado, encontram justificação razoável no desiderato de  colocar o sinistrado a coberto do risco de aplicação do capital obtido, preservando os meios compatíveis com “uma subsistência digna”, por referência a limiar mínimo fixado pelo legislador. Ponto é que o valor da pensão, pela sua exiguidade, não possa ser tida, de todo, como imprestável para assegurar, de um modo mínimo, uma subsistência condigna do lesado, sem o que falecem as razões para a sua preservação. Essa mesma doutrina encontra lugar igualmente no Acórdão n.º 292/06, em que, face ao regime da Lei n.º 100/97, de 13 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, se reafirma a justificação da limitação ratione valoris da autonomia da vontade no domínio da remição facultativa de pensões devidas por acidentes de trabalho, teleologicamente ordenada à perceção continuada de compensação capaz de colocar o sinistrado – qualquer sinistrado, mesmo aquele que a certo momento da sua vida ativa aufere proventos elevados – a coberto da ameaça de outros infortúnios, agora de índole financeira. Cabe ainda notar que, quer o Acórdão n.º 302/99, quer o Acórdão n.º 292/06, equacionam a confor- midade com o princípio da justa reparação do infortúnio laboral da consagração legal de remição impositi- vamente decretada, postulando uma correlação entre o grau reduzido de incapacidade e a fixação de pensão desprovida de “qualquer relevância económica” e de “diminuto valor, incapaz de atuar como um meio, ainda que complementar, de subsistência condigna”. Ora, para além do mais, o caso dos autos demonstra que, embora as pensões devidas por acidentes de trabalho causadores de reduzido grau de incapacidade deter- minem por regra pensão de baixo montante, situações há, excecionais, em que a conjugação de retribuição muito acima dos valores medianos e a idade do sinistrado determinam a ultrapassagem do limiar valorativo erigido abstratamente pelo legislador ordinário como, objetivamente, correspondendo a pensão de “pouco relevo”. Também por essa via, os parâmetros considerados naqueles arestos afastam-se daqueles presentes nestes autos.

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