TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
232 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Foi com base nestes pressupostos que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do artigo 64.º n.º 2 do Decreto n.º 360/71, na parte em que impedia a remição de uma pensão igual ou superior a 20% mas inferior a 30%, em que a capacidade de ganho não estava substancialmente reduzida, por estabelecer uma limitação ao poder do trabalhador ponderar se não se revelaria mais compensador a efetivação da remição, ocorrendo assim uma discriminação materialmente infundada. Os mesmos princípios são aplicáveis ao caso dos autos. Na verdade, o trabalhador foi afetado de uma incapacidade inferior a 30%, a qual não implica a futura conti- nuação do seu desempenho laboral, embora tenha reflexo, em medida não muito relevante, na sua capacidade de ganho. Logo, nestas condições não se vislumbra qualquer fundamento, constitucionalmente legítimo, que limite o poder do trabalhador em avaliar se é mais compensador continuar a receber a pensão anual, ou optar pela sua remição, aplicando o capital daí resultante. Note-se que, não estando a capacidade de ganho do trabalhador fortemente limitada, não se pode adotar uma atitude paternalista de proibição da remição, com o fundamento do risco de aplicação do capital assim obtido. Mantendo o trabalhador o essencial da sua capacidade de ganho, apenas a ele deve competir essa decisão, não existindo fundamentos constitucionalmente válidos que legitimem a limitação da sua capacidade para administrar o seu património, nomeadamente no que concerne à utilização do capital obtido com a remição da pensão devida por acidente de trabalho – em especial quando o sinistrado requereu expressamente pretender a remição da pensão. No fundo, está em causa a tutela da autonomia da vontade do sinistrado em acidente de trabalho, o qual, por não estar fortemente limitado na sua capacidade de ganho, pode e deve decidir se opta pela continuação do rece- bimento da pensão anual, ou se prefere obter o respetivo capital de remição. Estão prejudicados, pois, os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação aos sinistrados em acidente de trabalho, consignados nos artigos 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 59.º n.º 1 alínea f ) da Constituição, pelo que declaro a inconstitucionalidade do artigo 75.º n.º 1, in fine , da LAT/2009, na parte em que impede a remição de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira. Consequentemente, defiro o requerimento do sinistrado de 17 de maio de 2012 e determino a remição, a partir dessa data, da sua pensão anual de € 3 263,10. Proceda ao cálculo e entrega do capital de remição, com referência à data de 17 de maio de 2012, de ( € 3 263,10 x 14.270) € 46 564,44, se a presente decisão vier a ser confirmada em sede de recurso de constitucionalidade. Valor do incidente de remição parcial: € 46 564,44.» 2. O Ministério Público interpôs recurso desse despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e da alínea a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 72.º da LTC, o qual foi admitido. 3. Neste Tribunal, o recorrente Ministério Público e a recorrida Companhia de Seguros B., S. A. apre- sentaram alegações. 3.1. O recorrente Ministério Público extraiu das alegações as seguintes conclusões: «1. Não decorre da Constituição nem da Jurisprudência do Tribunal Constitucional que as pensões anuais vita- lícias de pequeno montante, devidas por acidente de trabalho e que correspondam a graus de incapacidade pouco elevados, não possam ser obrigatoriamente remidas. 2. A norma do n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, condiciona a obrigatoriedade de remissão à verificação cumulativa de dois requisitos: a incapacidade parcial permanente ser inferior a 30%; o valor da pensão anual não ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal.
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