TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

208 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. A questão que importa, assim, apreciar, à luz do parâmetro de constitucionalidade enunciado pelo recorrente (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), é a de saber se a garantia de recurso confere ao arguido o direito de ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não a decisão que o condena, mas aquela que não admite, por intempestivo, o recurso dela interposto, fazendo, desse modo, operar o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida em primeira instância. Como se disse no Acórdão n.º 107/12, o instituto do recurso encerra “uma tensão dialética permanente e nunca integralmente harmonizável entre duas finalidades antinómicas do direito processual penal: por um lado, a realização da justiça penal e, com ela, a efetivação do poder punitivo do Estado; por outro, a garantia de que tal desiderato não é alcançado com o sacrifício dos direitos fundamentais da pessoa humana, desde logo, do arguido, a quem a Lei Fundamental expressamente reconhece, no seu artigo 32.º, um direito fun- damental de defesa (sublinhado, em geral, tal traço antinómico do direito processual penal, cfr. Figueiredo Dias, Código de Processo Penal. Processo Legislativo , Assembleia da República, 1999, fls. 31-30)”. Embora as dimensões normativas apreciadas nesse processo e no presente recurso divirjam num aspeto que veremos ser essencial para o juízo de inconstitucionalidade, é pertinente recordar o que a este propósito se disse nesse acórdão. «É, pois, na tentativa constitucionalmente imposta de realizar a concordância prática dos valores, de sinal inverso, que estruturam o processo penal, que o Tribunal Constitucional tem, na vasta jurisprudência sobre o tema, solucionado as diversas questões de inconstitucionalidade normativa suscitadas por alegada violação do direito fundamental ao recurso, parametrizando nuclearmente a sua apreciação à luz da injunção constitucional de que o arguido seja “julgado no mais curto prazo”, o que só se alcança com um processo célere e eficaz, “compatível com as garantias da defesa” (entre elas, o direito ao recurso), que se prefiguram, assim, como limite imanente, aferido em concreto, de realização do processo penal (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). Os recursos são “meios de obter a reforma da sentença injusta, da sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado , vol. V, Reimpressão, Coimbra, 1984, p. 212), pretendendo-se, através deles, um novo exame da causa, por parte do órgão jurisdicional hierarquicamente superior. Tal definição, embora construída no contexto processual civil, tem o mérito de sublinhar que o recurso é, antes de mais, um meio de reação contra a decisão de mérito que, no termo final do processo destinado a realizar a justiça do caso, resolve o litígio, condena ou absolve o arguido; por outro lado, traduzindo o recurso, em análise estrutural, «uma nova apreciação judicial de matéria já julgada» por instância jurisdicional superior (Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, volume 2.º, Lisboa, 1986, p. 280), o que a expressa consagração constitucional do direito do arguido ao recurso quer significar e garantir é, nuclearmente o direito de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a sentença final condenatória contra si proferida (princípio do duplo grau de jurisdição). Assim, situando o recurso nessa sua área nuclear de justificação e operacionalidade – enquanto meio primacial- mente dirigido à correção de erros ou vícios das decisões de mérito ou de fundo –, sublinhou o Tribunal Consti- tucional, no seu Acórdão n.º 118/90, constituir “a faculdade de recorrer da condenação (…) peça dominante do quadro dialético em que se desenvolve o processo penal: é ela que permite ao arguido superar a antítese entre o interesse público à condenação e o seu próprio interesse de defesa e obter a reforma da sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento”, pelo que “a faculdade de recorrer da sentença condena- tória proferida em primeiro julgamento, qualquer que seja a dimensão dada ao recurso, há de inserir-se naquele complexo de garantias que caracterizam o direito de defesa”. Reconhecendo-se, porém, que o recurso é, no seu contexto constitucional, um instrumento de garantia do direito de defesa do arguido, é este último que deve substantivamente nortear a maior ou menor latitude do meio garantístico, expandindo-o para outros domínios decisórios quando se demonstre, na dinâmica do processo, que só pela garantia do recurso se efetiva o direito de defesa. Assim sendo, integrar-se-á também no âmbito nuclear de tutela constitucional do direito ao recurso, em tal perspetiva substantiva, a garantia de que se poderá recorrer perante um diferente e hierarquicamente superior órgão jurisdicional, não apenas da decisão final condenatória, mas também de todos os “atos judiciais que, durante o

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