TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

189 acórdão n.º 298/13 6. Nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, o Tribunal Constitucional português (e diferentemente do que sucede em muitos outros ordenamentos constitucionais da Europa) julga em recurso, que é interposto de decisão proferida por um tribunal comum. Embora o recurso seja res- trito à questão da invalidade da norma (artigo 280.º, n.º 6, da CRP), a decisão que nele se profira não pode deixar de ter efeitos sobre a decisão recorrida, obrigando ou à sua reforma ou à sua confirmação, consoante se altere ou se mantenha o juízo proferido pelo juiz a quo quanto à questão de constitucionalidade (artigo 80.º da LTC). Na exata medida em que esta questão, que é objeto do recurso para o Tribunal Constitucional, surge como incidente no processo principal que o juiz comum tem que julgar (sendo o problema da validade ou invalidade da norma que se aplica ao caso um problema de resolução prévia face ao julgamento do mesmo), a reforma ou confirmação da decisão recorrida há de, logicamente, traduzir-se em alteração ou manutenção da solução material (infraconstitucional) que o juiz a quo, por causa do seu juízo quanto à questão da incons- titucionalidade, já dera ao caso, antes da intervenção do Tribunal Constitucional. Assim, se, por algum motivo, se mostrar invariável a solução dada pelo juiz a quo à questão principal que tem que julgar, por não depender ela da solução que o Tribunal Constitucional vier a dar à questão [inciden- tal] da constitucionalidade, o juízo que este último vier a fazer não terá qualquer virtualidade para manter ou alterar a decisão recorrida. Nestas circunstâncias, a intervenção da jurisdição constitucional no processo mostrar-se-á perfeitamente inútil, e, portanto, injustificada. Na verdade, aqui, o Tribunal não poderá ser a instância de recurso que a Constituição prevê (artigo 280.º), uma vez que não poderá emitir decisão modifi- cativa ou confirmatória (artigo 80.º da LTC) de qualquer decisão proferida por tribunal comum. É o que se passa no presente caso. Na verdade, se o juízo que nele se proferisse fosse o da não inconstitucionalidade (possibilidade sempre aberta, não obstante o Acórdão n.º 135/12), a decisão do Tribunal Constitucional, que mandaria reformar a decisão recorrida em conformidade com o juízo agora emitido sobre a questão de constitucionalidade, não produziria quaisquer efeitos. A solução dada à questão principal manter-se-ia inalterada, uma vez que sempre subsistiria, para a fundamentar, o argumento de direito ordinário segundo o qual, não tendo havido a audição dos contribuintes exigida pelo artigo 60.º da LGT, os atos de liquidação praticados – e todos eles – deveriam ser anulados. Aliás, e como já se viu, a “reforma da decisão recorrida” ordenada eventualmente pelo Tribunal Constitucional seria sempre, no caso, uma “reforma parcial”, uma vez que o juízo de incons- titucionalidade feito pelo tribunal a quo servira para fundamentar apenas parte da resolução a dar à questão principal que tinha que ser julgada. Por outro lado, se o juízo fosse, na senda do Acórdão n.º 135/12, o da inconstitucionalidade, a confir- mação da decisão recorrida quanto a esse juízo – decorrente da decisão do Tribunal Constitucional – também nenhum efeito teria, uma vez que o tribunal a quo manteria a solução dada à causa principal independente- mente da confirmação ou infirmação que viesse a ser feita do seu julgamento quanto à questão de constitu- cionalidade. 7. É certo que os recursos que são interpostos de decisões dos tribunais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade [artigo 280.º, n.º 1, alínea a), da CRP; artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC] apresentam particularidades que não podem ser negligenciadas, quando se trata de decidir sobre a utilidade do seu conhecimento por parte do Tribunal. A Constituição da República conferiu a cada juiz o poder e o dever de não aplicar normas que sejam contrárias à Constituição (artigo 204.º da CRP). Diferentemente do que sucede nos restantes ordenamentos jurídico-constitucionais da Europa, o direito português atribuiu aos juízes não apenas o direito de examinar a constitucionalidade das normas a aplicar aos casos sob juízo; mais do que isso, devolveu-lhes a competência para rejeitar a aplicação dessas normas, caso se conclua pela sua inconstitucionalidade. Esta diferença específica do ordenamento português face aos seus congéneres europeus não deve, porém, escamotear a homogeneidade fundamental que existe entre ambos (entre o “modelo” difuso português e o

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