TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
183 acórdão n.º 297/13 5. No domínio do Direito Penal secundário, não partilhamos da ideia de que a comunicabilidade da obrigação de pagamento da multa ao gerente da pessoa coletiva retira o caráter de pena às medidas sanciona- tórias que podem recair sobre as pessoas coletivas em consequência de um crime cometido em seu benefício, frustrando os fins do Direito Penal de proteção de bens jurídicos. A realidade sociológica da empresa e a criminalidade fiscal e económica por ela gerada não respeitam necessariamente a lógica inerente à dogmática penal clássica. No ambiente peculiar da criminalidade de empresa não é possível afirmar que o legislador tenha menosprezado a ideia de expiação/ sacrifício inerente à aplicação de uma sanção criminal, degradando a sua dignidade penal, pelo simples facto de prever a comu- nicação ao gerente da responsabilidade pelo pagamento da multa. O vínculo de representação existente entre o gerente e a sociedade afasta o comprometimento da digni- dade penal decorrente da comunicabilidade da responsabilidade pelo pagamento da multa nos casos, como os abrangidos pela norma em referência, em que a pessoa singular colaborou dolosamente na prática da infra- ção, incorrendo também ela em responsabilidade penal, a título individual, pelo mesmo crime. Longe de degradar a natureza sancionatória da pena em mera relação creditícia, a referida comunicabilidade concorre para assegurar a efetividade do seu cumprimento, na medida em que a pessoa singular/gerente se identifica com a pessoa coletiva/sociedade na entidade funcional que representam. Sem descurar o património do Direito Penal, a comunicabilidade em referência encontra justificação nos deveres jurídicos de garante do gerente, bem como na presunção de benefício emergente das infrações cometidas. 6. Atendendo, assim, à natureza da obrigação decorrente da norma, não configurável como uma sanção penal, ela surge como instrumento adequado aos fins a que se destina: garantir o pagamento da quantia monetária em que a pessoa coletiva foi condenada, respeitando ainda o princípio da culpa quanto aos pressu- postos da responsabilidade civil respetiva, uma vez que a colaboração dolosa do obrigado solidário é condição da atribuição da responsabilidade. Considerando que a norma ora em apreciação se dirige apenas aos administradores ou gerentes (e não a outros agentes, como os trabalhadores ou a mandatários sem poderes de representação) da sociedade, na medida em que estes se identificam com a pessoa coletiva que representam, é de concluir ainda que a solida- riedade no pagamento da multa surge igualmente como necessária para promover a autorresponsabilidade das entidades coletivas. Finalmente, a regra das obrigações solidárias segundo a qual o obrigado solvente mantém direito de regresso contra o obrigado principal afasta o risco de desproporcionalidade na comunicabilidade desta obri- gação. – Maria de Fátima Mata-Mouros. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 5 de julho de 2013. 2 – Os Acórdãos n. os 337/03 , 481/10 e 1/13 es tão publicados em Acórdãos, 56.º, 79.º e 82.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 437/11 e 561/11 estão publicados em Acórdãos, 82.º Vol.. 4 – Ver, neste Volume, os Acórdã os n. os 389/13 e 444/13.
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