TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida pelos seguintes fundamentos: 1. Pelo presente Acórdão o Tribunal Constitucional julga inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, “na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos geren- tes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração tributária pelas multas aplicadas à sociedade”, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da Repú- blica Portuguesa. Da fundamentação do Acórdão decorre que o parâmetro constitucional violado se traduz, concreta- mente, no princípio da pessoalidade das penas, dedutível a partir do artigo 30.º, n.º 3, da CRP. Este enten- dimento pressupõe, por conseguinte, a natureza penalmente sancionatória da comunicabilidade da respon- sabilidade pelo pagamento da multa estabelecida no artigo 8.º, n.º 7, do RGIT. 2. Entendo, todavia, que não será essa a melhor compreensão do preceito em referência. Em primeiro lugar será conveniente lembrar que a norma em apreciação se insere no domínio do Direito Penal fiscal, área do Direito Penal secundário onde a empresa surge como sujeito privilegiado de imputação jurídica, convocando uma multiplicidade de agentes que concorrem na realização da infração. Ora, no domínio da responsabilidade sancionatória das pessoas coletivas não é diretamente transponível o princípio constitucional da intransmissibilidade da responsabilidade penal. Este princípio, relativamente a pessoas individuais, assenta na ideia da pessoalidade da culpa, que não é possível aplicar às pessoas coletivas. 3. De todo o modo, a comunicabilidade da responsabilidade prevista na norma em análise não se apre- senta como uma medida sancionatória de natureza penal. O regime de comunicabilidade da responsabilidade pelo pagamento de multa constitui, de há muito, regra no direito penal secundário. Já mesmo antes da consagração da responsabilidade criminal das pessoas coletivas no Código Penal de 1982, era possível encontrar em legislação de direito penal secundário, normas com estrutura equivalente à ora em análise, estabelecendo a responsabilidade solidária da pessoa coletiva pelas multas aplicadas aos seus representantes ou empregados (vide artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 31 328, de 21 de junho de 1941). A vigência de tais normas em época anterior à previsão da responsabilidade penal das pessoas coletivas não se compadece com a atribuição de outra natureza, que não seja a meramente civil, à referida obrigação. É certo que no caso em presença estamos perante a responsabilização dos gerentes de uma pessoa cole- tiva pela multa aplicada pela infração por esta cometida. A razão de ser da responsabilidade solidária con- templada continua, porém, a ser a mesma: a garantia pelo pagamento do quantitativo monetário da multa. 4. Reportando à norma ora em apreciação importa começar por delimitar a dimensão da responsabili- dade solidária nela estabelecida. Esta dirige-se, tão-só, ao pagamento da quantia monetária em concreto (e de natureza fungível) que foi atribuída à pena de multa aplicada ao agente. A comunicabilidade da responsa- bilidade não se estende ao substrato penal da multa, enquanto teor valorativo da pena criminal que encerra o dever de realizar as finalidades das penas, e nessa medida se apresenta com natureza “pessoalíssima” (como se refere no acórdão), não podendo, por conseguinte, ser transmissível ou comunicável. E sendo assim, a solidariedade passiva prevista na norma em análise não traz, em si, implicada qualquer deturpação da “pessoalidade” da responsabilidade penal. Com efeito, da referida obrigação solidária de paga- mento da multa não decorre qualquer consequência de natureza estritamente penal. O obrigado solidário apenas responde pelo pagamento na medida do seu património. Se não tiver património para solver aquela garantia, não sofre qualquer sanção adicional, nem essa responsabilidade, de garante, é levada a inscrição no seu certificado criminal.
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