TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A intervenção do Estado, substituindo-se ao devedor da prestação de alimentos, e necessariamente sub- sidiária em face dos deveres que estão (constitucional e legalmente) cometidos a este, é justificada perante a omissão do cumprimento do dever assinalado, dada a particular situação de desprotecção daqueles que, sendo menores, não possam (e que, por serem menores, não podem) garantir o próprio sustento, na falta ou insuficiência de condições económicas dos próprios ou de quem tem a sua guarda. Deste modo o Estado actua para a realização de um direito fundamental: o direito das crianças à protec- ção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição. É certo que este direito «não tem por sujeitos passivos apenas o Estado e os poderes públicos, em geral, mas também a ‘sociedade’ (n.º 1), a começar pela própria família (incluindo os progenitores) e pelas demais instituições (creches, escolas, igrejas, instituições de tutela de menores, etc.) (n.º 1, in fine ), o que configura uma clara expressão de «direitos fundamentais nas relações entre particulares» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 869). Contudo, não se pode colocar no mesmo plano a intervenção do Estado e da socie- dade, pois sendo ambas subsidiárias relativamente à acção insubstituível dos pais (artigo 36.º, n.º 5, e 69.º, n.º 1, da CRP), não é exigível que a «sociedade», difusamente considerada (cfr. a análise do artigo 67.º quanto ao papel da sociedade, feita por Rui Medeiros in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Ano- tada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 1371-1372), deva suprir uma situação de carência financeira de uma criança, determinada pelo incumprimento do dever de sustento que caberia, em primeira linha, ao progenitor judicialmente obrigado a prestar alimentos. Isto é, a densificação do dever de protecção a cargo da sociedade (que não cumpre aqui desenvolver) não pode compreender a dimensão prestacional que decorre do pagamento (periódico) de alimentos. Deste modo, dificilmente bastará considerar a possibilidade de, durante o período de carência, poder o progenitor (ou outrem) com a guarda da criança contar com a solidariedade familiar ou institucional para afastar a responsabilidade do Estado no período anterior ao da decisão judicial que determina o montante a pagar, esgotadas as soluções com vista ao seu pagamento pelo devedor.   Poderá enquadrar-se a prestação estadual de alimentos – garantida pelo Fundo e efectivada pelos centros regionais de segurança social – no direito à segurança social, previsto no artigo 63.º, n.º 1, da CRP e tra- duzido na prestação pelo Estado de um apoio financeiro que procura responder a uma situação de carência económica não suprível pelos meios e recursos do seu beneficiário, mas é necessariamente mais do que isso. A prestação social em causa – prestação estadual de alimentos – assegura a efectivação de um direito a uma existência condigna, particularmente, um direito a um crescimento condigno das crianças (artigo 69.º. n.º 1, da CRP), o que acarreta uma particular exigência na promoção das condições essenciais (incluindo as condições económicas) ao desenvolvimento integral das crianças. Assim, por um lado, o dever de protecção do Estado comporta uma importante dimensão positiva (prestacional), permitindo relacionar aquele direito com o direito de descoberta jurisprudencial a «exigir do Estado esse mínimo de existência condigna, desig- nadamente através de prestações» (Acórdão n.º 509/02) e que se faz derivar do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP) e do próprio direito à vida e da integridade física (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1 da CRP); por outro lado, a satisfação daquele direito fundamental não pode ficar-se apenas pela garantia de sobrevivência – de um mínimo de sobrevivência – das crianças, antes se destina a assegurar uma existência condigna das crianças que permita o seu pleno desenvolvimento como pessoas (e, nesse sentido, derivando também do direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição). Chegámos pois ao núcleo basilar dos direitos pessoais que enquadram e necessariamente informam as opções do legislador no domínio da protecção das crianças e que, por isso mesmo, assumem uma particular exigência quanto àquelas opções. Esse núcleo integra a satisfação de um feixe de direitos subjetivados na criança, operando como síntese das condições necessárias para o seu exercício. Do outro lado, a responsabilidade do Estado de proceder à sua efetivação, cometendo-lhe a Constituição uma função subsidiária mas indispensável. Subsidiária relativamente aos deveres dos pais (em concreto, de quem estava judicialmente obrigado a prestar alimentos), substituindo-os no cumprimento desse dever uma

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