TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

171 acórdão n.º 274/13 Essa protecção acrescida das crianças tem por fonte não apenas a Constituição portuguesa, mas também importantes instrumentos de Direito Internacional e de Direito da União Europeia a que Portugal se mos- tra vinculado, tutelando valores que não deixam de informar a própria Constituição. Desde logo, dispõe o n.º 2 do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que «a maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social», o que é reafirmado e concretizado no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 24.º: «Toda a criança tem direito, sem discriminação alguma por motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, posição económica ou nascimento, às medidas de protecção que a sua condição de menor exige, tanto por parte da sua família como da sociedade e do Estado») e no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966 (em particular, no n.º 3 do artigo 10.º: «Medidas especiais de protecção e de assistência devem ser tomadas em benefício de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação alguma derivada de razões de paternidade ou outras»), ganhando dimensão especial na Convenção (da ONU) sobre os Direitos da Criança, de 1989. Por seu turno, e mais recentemente, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece, no seu artigo 24.º, que «as crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar» (n.º 1), vinculando os atos relativos às crianças praticados por entidades públicas ao interesse superior da criança (n.º 2). Por outro lado, não pode deixar de relevar o facto de o regime legal português da garantia de prestação de alimentos pelo Estado em substituição do devedor inandimplente corresponder, em grande medida, ao acatamento da Recomendação n.º R (82) 2 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adotada em 4 de fevereiro de 1982, dirigida aos governos dos Estados membros com vista à adoção de um sistema de paga- mento em avanço dos alimentos a crianças quando o seu devedor falhar no cumprimento dessa obrigação. A obrigação de alimentos é, em primeira linha, uma obrigação do progenitor que não viva com os filhos, integrando-se no dever de os pais proverem ao seu sustento. A Constituição consagra, no n.º 5 do artigo 36.º, o direito e o dever dos pais de educação e de manutenção dos filhos, os quais, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, «são um verdadeiro direito-dever subjectivo e não uma simples garantia institucional ou uma sim- ples norma programática, integrando o chamado poder paternal (que é uma constelação de direitos e deveres, dos pais e dos filhos, e não um simples direito subjectivo dos pais perante o Estado e os filhos). A natureza do direito-dever subjectivo dos pais traduz-se, na linguagem actual, na compreensão do poder paternal como obrigação de cuidado parental.» ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coim- bra, 2007, p. 565). Especificamente «quanto ao direito e dever de manutenção, ele envolve especialmente o dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles estejam em condições (ou tenham obrigação) de o fazer. Daí o fundamento da obrigação de alimentos por parte do progenitor que não viva com os filhos» (cfr. idem ). Este entendimento é reforçado na leitura desta disposição constitucional feita por Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, 2010, p. 832), ao escreverem que «a Constituição, no artigo 36.º, n.º 5, refere-se, não apenas à educação, mas também à manutenção dos filhos. Assim, dentro das suas possibilidades económicas, cabe aos pais, durante a menoridade dos filhos ou enquanto não for exigível a estes que se auto-sustentem, velar pela sua segurança e saúde e prover ao seu sustento. E, não convivendo os pais maritalmente, o progenitor que não tem a guarda do filho deve, desde logo por imperativo constitucional (em face do dever fundamental de manutenção dos filhos, ainda que nascidos fora do casamento), prestar-lhe alimentos». Assinalado o dever, merece, do mesmo passo, referência o direito de manutenção dos filhos, merecendo as mães e os pais que têm a guarda da criança a protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos (artigo 68.º, n.º 1, CRP), o que beneficia da interpretação que se retira, por força do disposto no artigo 16.º, n.º 2, da CRP, da norma contida no artigo 25.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários» (sublinhado acrescentado).

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