TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
167 acórdão n.º 274/13 frequentemente chamados guardas de flanco dos direitos sociais, como sejam o princípio da proibição do excesso, o princípio da proteção da confiança e, sobretudo, o princípio da igualdade (…)”. Mas nenhum destes princípios pode ser utilmente invocado a propósito da solução normativa submetida a apreciação. E, ao invés, afigura-se que a possibilidade de fixação provisória de uma prestação pública é um meio adequado – um dos meios adequados, não competindo ao Tribunal ir mais além – para ocorrer em tempo real a necessidades imperiosas, àquelas necessidades cuja não satisfação pelo incumprimento do progenitor do dever de alimentos pode pôr em risco ou, pelo menos, comprometer o seu desenvolvimento integral. Mais do que uma medida que cubra a posteriori todo o tempo de carência, a adoção de medidas provisórias, contemporâneas da necessidade de sustento permitirá ocorrer num curto espaço de tempo a situações de especial urgência, proporcionando-lhes remédio ou alívio à medida que elas surgem. É certo que uma medida dessa natureza não cobre todo o tempo do incumprimento por parte do progenitor, nem se aplica a todas as situações de incumprimento do obrigado a alimentos. Aliás, mesmo com a retroação das prestações ao momento da formulação do pedido de condenação do Fundo também haveria um período que, em regra, ficaria a descoberto, por não haver coincidência entre o vencimento da prestação não satisfeita e a dedução do incidente de condenação do Fundo. Mas não é possível conferir à incumbência constitucional de proteção da infância por parte do Estado uma tal extensão de cobertura temporal, cuja exigência parece pressupor uma lógica de intervenção substitutiva das responsabilidades parentais que se não retira por interpretação do artigo 69.º, n.º 1 e 68.º, n.º 1, da Constituição. A Constituição não investe o Estado na posição jurídica de garante das concretas obrigações alimentares dos progenitores. Os deveres dos poderes públicos correlativos ao direito à proteção infantil impõe a adoção das medidas legislativas e administrativas, inclusivamente mediante prestações de segurança social (artigo 63.º, n.º 3) com vista a prosseguir, conjuntamente com a “sociedade”, o objetivo do integral desenvol- vimento das crianças. Desenvolvimento integral que, “assenta em dois pressupostos: por um lado, a garantia de dignidade da pessoa humana (cfr. artigo 1.º), elemento “estático” mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado, a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, IV edição, Coimbra, 2007, p. 869). O Estado não inter- vém como prestador por causa do incumprimento da obrigação alimentar judicialmente fixada, mas por causa da situação de carência para que esse incumprimento contribui. Daí a “condição de recursos” de que a prestação social em causa está dependente. Em segundo lugar, a circunstância de a fixação provisória da prestação pública poder ser precedida de diligên- cias de prova não é de molde a comprometer-lhe intoleravelmente a aptidão para, em termos de razoável praticabi- lidade e normal atuação dos diversos protagonistas, permitir resposta pública temporalmente adequada às situações carecidas de providências urgentes. As diligências de prova devem ser reduzidas ao mínimo compatível com um juízo prima facie acerca dos pressupostos da decretação provisória da prestação, devendo o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 ser aplicado com a flexibilidade inerente ao facto de prover a uma situação de urgência qualificada num processo que já tem natureza urgente (princípio da adequação formal). É certo que há sempre uma demora mínima, praticamente ineliminável, inerente à circunstância de o reconhecimento do direito ser dependente de um procedimento. Mas que, em termos de formalidades processuais ou de exigências probatórias – que, além do grau de demonstração de primeira aparência inerente à natureza cautelar da decisão provisória e das exigências gerais de probidade processual, devem ainda levar em conta que a omissão de factos relevantes para a concessão da prestação sujeita o requerente a procedimento penal por crime de burla (artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98) – não impede as entidades com legitimidade de recorrer em tempo útil aos meios que assegurem a efetividade do direito social em causa. Aliás, uma das entidades legitimadas para pedir a atribuição da prestação pública a favor do menor é o Ministério Público, magistratura sobre a qual impende o dever funcional de impulsionar a decisão provisória quando tal se justifique, por essa via cumprindo também o Estado (por instrumentos legislativos e organizacionais) os deveres de proteção que lhe incumbem. O eventual não uso ou a aplicação prática deficiente dos meios pro- cessuais existentes não justifica o recurso sucedâneo ao juízo de inconstitucionalidade da norma agora em causa.
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