TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dos filhos (prestações legislativas; cfr. artigos 4.º e 27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança) –, que o Estado se substitua na obrigação do progenitor, ainda que a título subsidiário e apenas numa certa medida, mas o de que proveja à situação de carência impeditiva de uma existência condigna ameaçada por esse incumprimento ou de que essa negligência ou impossibilidade de cumprimento das responsabilidades parentais é um dos factos geradores. Existência condigna, é bem certo, que não se refere à simples sobrevivência fisiológica ou psíquica, mas que deve levar em consideração que se trata de proteger o desenvolvimento de uma personalidade em formação (“direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral”).Todavia, esta elevação do padrão de exigência não afasta o reconhecimento do amplo poder de conformação do legislador perante a indeterminação típica das normas constitucionais relativas ao direito social em causa e o caráter multímodo das suas vias de con- cretização. Face a tal amplitude da discricionariedade legislativa, o Tribunal só poderia concluir pela violação do mandado de proteção perante a demonstração inequívoca da insuficiência ou inadequação manifesta das opções legislativas face ao fim ou ao sentido das normas constitucionais consideradas. Juízo que tem sempre de estar atento à existência no sistema de instrumentos flanqueadores da aparente inadequação de cada aspeto, isoladamente con- siderado, da intervenção prestacional pública em análise. 9. Efetivamente, contra a solução normativa em apreciação tem-se argumentado que ela acaba por compro- meter a eficácia da satisfação das necessidades básicas do menor alimentando, na medida em que “se traduz na aceitação de um novo período, de duração incerta, de carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos, a cumular a um anterior período – mais ou menos longo – em que já se revelou a frustração total da solidariedade familiar”. Juízo este que não seria afastado pela possibilidade de fixação provisória da pres- tação pública “uma vez que esta decisão provisória, não só não abrange todas as situações em que o menor não tem assegurada a sua subsistência pelos obrigados principais, apenas podendo ser utilizada nos casos de excecional urgência, como também o momento da exigibilidade das prestações sociais assim decretadas não deixa de se revelar incerto e sempre tardio, uma vez que essa decisão provisória também só é decretada já no decurso do processo de apuramento da necessidade da intervenção subsidiária do Estado, podendo igualmente ser precedida de diligências de prova de execução temporal incerta”. Não parece que esta crítica proceda. Em primeiro lugar, deve notar-se que a retroação da condenação, impondo ao Fundo o pagamento das presta- ções correspondentes ao período decorrido entre a formulação do pedido e a decisão final, não seria meio idóneo para satisfazer, por si mesma, as necessidades de manutenção do menor no momento a que tais prestações se refe- rem ( nemo alitur in praeteritum ). Isto é, embora vantajosa para os interesses do menor, não satisfaz a exigência de proteção temporalmente adequada, que é o aspeto que pode elevar-se a parâmetro judicialmente atendível face ao problema que está em consideração. As necessidades vitais do menor tiveram de ser satisfeitas com outros recursos, normalmente mediante esforço acrescido do progenitor (ou da pessoa) que o tem à sua guarda, porventura com privações na satisfação das necessidades próprias. Mas, a cobertura, mediante as prestações do Fundo, do tempo entretanto passado só pode servir como mecanismo jurídico de compensação, não como meio efetivo de acorrer àquelas necessidades próprias do menor no período a que respeitam cuja insatisfação pode tornar-se incompatível com a dignidade da pessoa humana. Se o menor, em consequência do incumprimento do dever de alimentos por parte do progenitor, sofreu privações dessa natureza já não será a retroação das prestações a cargo do Fundo que pode remediá-las. Assim sendo, não constituindo sequer meio que possa reivindicar-se inteiramente idóneo para obstar à colocação do menor em situação incompatível com a dignidade da pessoa humana, não pode afirmar-se com segurança – com o grau de evidência exigida para a censura judicial das opções legislativas na concretização dos direitos sociais, na sua dimensão positiva – que esse efeito retroativo da decisão seja imposto por essa “última bar- reira” contra a discricionariedade legislativa no âmbito dos direitos sociais que constitui o limite mínimo do dever de proteção imposto ao Estado, designadamente no domínio das prestações de segurança social não contributiva. O que não significa que esse seja o único princípio operante no controlo judicial da observância dos deveres estatais de promoção positiva dos direitos sociais. Como diz Jorge Reis Novais, Direitos Sociais. Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, Coimbra, 2010, p. 306 “(…) ainda que de forma lateral, a margem de decisão política dos poderes públicos pode ser significativamente reduzida através da intervenção dos
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