TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Cumpre agora ao Tribunal decidir se, no âmbito da modelação do regime jurídico desta prestação pública, o legislador pode determinar que a intervenção do Fundo só cobre o período posterior à decisão judicial que fixe o respetivo montante, não lhe impondo o pagamento das prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão, designadamente o que decorre desde a formulação do pedido até à decisão. Não está, obviamente, em causa a coerência sistémica de uma tal solução, designadamente por comparação com outras prestações públicas que são devidas desde que são requeridas, ainda que precedidas por um procedimento de verificação dos pressupostos, ou com a própria conceção da prestação em causa como subsidiária ou de “garantia” da obrigação alimentar (cfr. artigo 2006.º do Código Civil), mas apenas se a Constituição, designadamente no n.º 1 do artigo 69.º (proteção da infância) e nos n. os 1 e 3 do artigo 63.º (direito à segurança social) veda ao legislador que assim configure esta prestação social pública. 7.O dever de prover ao sustento das crianças incumbe, numa primeira linha, aos pais, que têm o “direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (artigo 36.º, n.º 5, da Constituição). Este dever de manutenção com- preende o dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles estejam em condições, ou tenham o dever de procurar por si, meios de subsistência. Constitui, aliás, um dos poucos deveres fundamentais consagrados de modo expresso pela Constituição. Contudo, como se disse no referido Acórdão n.º 54/11, a natural necessidade de proteção das crianças, não podia deixar um Estado que visa a realização da democracia económica e social (artigo 2.º da Constituição) à mar- gem da tarefa de assegurar o seu crescimento saudável, reconhecendo-se expressamente não só que “as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono” (artigo 69.º, n.º 1, da Constituição), como também que os pais e as mães devem gozar de proteção “na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos” (artigo 68.º, n.º 1, da Constituição). Deste direito de proteção e dos correlativos deveres de prestação e de atividade legislativa não resulta que o Estado tenha de assumir, por imposição constitucional, uma posição jurídica de garante da prestação alimentar dos progenitores. A prestação pública realiza um típico direito social derivado do n.º 1 do artigo 69.º da CRP, um direito especial no campo do direito à segurança social (artigo 63.º, n. os 1 e 3, da CRP), num domínio em que se entrecruzam dois tipos de responsabilidade ou deveres de proteção, cada um com a sua lógica própria. Como típico direito social, na dimensão em que se traduz na pretensão de prestações materiais a cargo do Estado, este direito das crianças é um “direito sob reserva do possível”, não sendo diretamente determinável no seu quantum e no seu modo de realização a nível da Constituição. O limite de conformação em que o direito de proteção das crianças mediante prestações fácticas ou pecuniárias a cargo do Estado é resistente ao legislador só pode (judicialmente) alcançar-se a partir de outros referentes constitucionais, de natureza principial, em que avulta o princípio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, salvo quando a solução afete o núcleo já realizado de concretização legislativa radicado na consciência jurídica geral como núcleo essencial do direito considerado, ao legislador democrático tem de ser preservada uma larga margem na realização ou conformação dos direitos sociais, só acessível à censura por parte da justiça constitucional – na sua dimensão de “direitos positivos”,entenda-se – quando e na medida em que puser em causa os princípios estruturantes do Estado de direito. Como diz Vieira de Andrade (in Justiça Constitucional, n.º 1, Jan./Mar. 2004, p. 27) «(…) [a] avaliação do nível de desenvolvimento social do país, as conceções estruturais de organização da sociedade política, em especial do papel reconhecido às famílias, associações e instituições, a articulação entre os diversos modos ou formas de organização da segurança social e da solidariedade, as opções entre instrumentos alternativos – prestações diretas, créditos, bonificações, ajuda na busca de emprego, bolsas de formação, etc. –, e, apesar de tudo, em certa medida, as inevitáveis opções orçamentais e de afetação de recursos escassos – todas estas considerações tornam a tarefa do legislador muito mais que uma mera concretização jurídica da Constituição “furtada à disponibilidade do poder político”». É certo que neste domínio particular da proteção da infância, pela insuperável debilidade do titular, pela sua incapacidade natural de encontrar por si alternativas para satisfazer necessidades vitais comprometidas pelo incum- primento da obrigação alimentar, pela urgência e pelas consequências, no plano social e pessoal, da insatisfação imediata das necessidades de uma personalidade em formação, o grau de proteção constitucional é mais intenso e o correlativo dever de prestação por parte do Estado mais determinável no seu conteúdo mínimo. Designadamente,

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