TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Pode então afirmar-se que o direito ao recurso, pressupondo um total conhecimento do teor da decisão recor- rida (ou a possibilidade de o obter), impõe que o prazo para a interposição do recurso só se conte a partir do momento em que o recorrente tenha a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar. No caso em apreciação tal momento apenas se verificou quando o recorrente foi notificado do texto da sen- tença, sob a forma dactilografada da decisão (uma vez que a versão manuscrita foi considerada no processo como ilegível). Foi só a partir desse momento que o direito ao recurso pôde ser eficazmente exercido pelo arguido. A contagem do prazo de recurso em momento anterior consubstancia, pois, uma limitação injustificada do direito ao recurso, uma vez que implica o decurso do prazo numa fase em que o sujeito processual ainda não sabe se quer recorrer (se tem fundamento para tal), precisamente porque não pode (por causa que não lhe é imputável) analisar o texto da decisão que o afeta. […] [Por outro lado,] a mera leitura da sentença na presença do arguido e do seu defensor oficioso no mínimo pode não permitir uma completa apreensão do teor da sentença para efeito de motivação do recurso. Com efeito, a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença. Por último, […] também não se considera razoável a exigência de interposição de recurso por declaração na ata, nos termos do artigo 411.º, n. os 2 e 3, do Código de Processo Penal, apresentando o defensor do arguido, pos- teriormente, a respetiva motivação se efetivamente vier a decidir impugnar a sentença. Na verdade, antes da análise do teor da decisão, o sujeito processual não pode formar convenientemente a sua decisão de recorrer, não lhe sendo exigível a prática de atos cuja utilidade não é possível avaliar no momento da sua prática.» Vide também os Acórdãos n. os 75/99, 363/00, 202/01, 87/03, 36/04 e 545/06. No seu Acórdão n.º 186/04 este Tribunal equacionou a questão de saber “se representa, ou não, restrição intolerável do direito de recurso a imposição do dever de apresentação da motivação do recurso penal nos 15 dias subsequentes à leitura (na íntegra ou por súmula) da mesma, mas antes de os recorrentes terem acesso ao texto escrito da sentença recorrida”, considerando ser a “a primeira vez que a conformidade constitucional desta específica dimensão normativa vem colocada ao Tribunal Constitucional” (sem prejuízo da anterior confrontação com situações similares). E, fundado nas formulações do citado Acórdão n.º 148/01, o Tribu- nal reconheceu expressamente que: «“[A] mera leitura da sentença na presença do arguido e do seu defensor oficioso no mínimo pode não permitir uma completa apreensão do teor da sentença para efeito de motivação do recurso”, pois “a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença”, antes exige o acesso ao texto da sentença, o que apenas se torna possível com o seu depósito na secretaria. Impor ao arguido a apresentação da motivação do recurso da sentença sem ter acesso ao texto definitivo desta constitui um constrangimento intolerável do direito de acesso aos tribunais e especificamente do direito de recurso penal, violador dos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP.» Em suma, o direito de defesa, como decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, postula que os destinatários de uma decisão judicial tenham acesso direto – ou possam tê-lo – ao seu conteúdo, de modo a poderem contra ela reagir através dos meios processuais adequados, em especial, e desde que admissível, o direito ao recurso (cfr. Rui Medeiros, ob. cit. , anot. XX ao artigo 20.º, pp. 448-449). De outro modo, cria-se uma situação de «indefesa» constitucionalmente proibida pelo artigo 20.º, n. os 1 e 4. Com efeito, são inconstitucionais as normas que, ao preverem a comunicação de atos processuais, maxime decisões finais, presumam o seu conhecimento pelos destinatários, sem que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efetivo do ato por um destina- tário normalmente diligente, ou seja, caso o sistema não ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato
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