TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da empresa. Trata-se de decisões de gestão empresarial cujo mérito não cabe ao tribunal apreciar porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso (assim, Pedro Romano Martinez/Luís Miguel Monteiro/Joana Vasconcelos/Pedro Madeira de Brito/Guilherme Dray/Luís Gonçalves da Silva, Código do Trabalho – Anotado, 7.ª edição, Almedina, 2009, p. 810). Esta argumentação, alicerçada no direito de livre iniciativa económica (artigo 61.º da CRP), não vale no domínio da administração pública, para quem a ruína não é opção, em razão da vinculação funcional à prossecução do interesse público e dos princípios da eficiência e da boa administração. A administração pública deve, portanto, guiar-se por critérios de racionalidade na gestão do dinheiro público. Por isso, mesmo não competindo no mercado nem almejando o lucro, ela não deixa de ser enti- dade empregadora e de carecer de uma organização de recursos racional, que limite os gastos com pessoal ao necessário (cfr. Aguillera Izquierdo, “La extinción del contrato de trabajo del personal al servicio de las Administraciones Públicas: algunas singularidades”, in Revista del Ministerio de Trabajo e Imigración , n.º 93, 2011, p. 328). Essa organização racional de recursos está dependente de uma avaliação periódica, que acresce àquela que sempre será necessária em virtude da extinção, fusão ou reestruturação de serviços. O artigo 4.º, n.º 1, limita-se a estatuir que essa avaliação periódica pode ser motivada por uma redução da dotação orça- mental do órgão ou serviço. O mesmo é dizer que não se entende que à redução da dotação orçamental do serviço se siga automática e necessariamente a colocação em situação de requalificação ou a cessação do vínculo de emprego público. Na verdade, a racionalização de efetivos, assim como a fusão e reestruturação de serviços, desencadeia um procedimento (artigo 9.º do Decreto) que compreende a elaboração de um mapa comparativo, delineado com base nos constrangimentos orçamentais, é certo, mas também na necessidade de satisfação das atribui- ções e competências do órgão ou serviço em causa e de prestação de serviços de qualidade. A cessação do vínculo de emprego público ocorrerá quando se conclua que o número de postos de trabalho necessários para assegurar a prossecução e o exercício das atribuições e competências é inferior ao número de efetivos existentes (artigo 9.º, n.º 8, do Decreto); quando, selecionados os trabalhadores a reafectar através dos méto- dos previstos na lei [artigo 10.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto], se conclua que a sua integração noutros serviços não é possível, havendo, nesse caso, colocação em situação de requalificação (artigo 16.º, n.º 5, do Decreto); e, finalmente, quando, após um período de 12 meses, não haja lugar ao reinício de funções (artigo 18.º, n. os 1 e 2, do Decreto). A posição que assim se adota assenta, em síntese, em duas proposições: – O presente decreto consagra um conjunto de expedientes já conhecidos da atividade de gestão dos recursos humanos ( v. g ., fusão, extinção, reestruturação de serviços e racionalização de efeti- vos), expedientes esses cuja adopção não será necessariamente estranha a uma gestão eficiente de tais recursos por parte da administração pública (note-se que, para alguns trabalhadores, aqueles expedientes já antes poderiam culminar num ato de cessação do vínculo de emprego público; para outros, o instituto que desta feita se cria – a requalificação – permite, no fundo, que a adminis- tração pública ponha termo àquilo que, no modelo anterior, equivalia à situação de mobilidade especial). – Quanto à álea inerente à decisão de racionalizar – que já existia mas que, naturalmente, não se ignora – e porque não se vislumbram formulações e instrumentos alternativos igualmente eficazes na prossecução do interesse público em presença, considera-se que as normas em crise não violam o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, não só porque a decisão de despedir não é consequência automática da decisão de racionalizar nem tampouco da colocação em situação de requalificação, mas também porque o procedimento desencadeado nos termos do artigo 9.º do Decreto preenche os requisitos que a jurisprudência constitucional vem sedimentando nesta matéria, e fá-lo de forma mais rigorosa e escrutinável do que aquilo que vale para o emprego privado.

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