TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nuidade mínima da ordem jurídica, um princípio constitucional comum aos Estados da Europa) ao emprego público traz, por certo, especificidades. Uma coisa é admitir restrições ao direito à segurança no emprego quando o que está em causa – como sucede nas relações laborais de direito privado – é a iniciativa económica privada, enquanto “valor constitucional” que legitime a restrição; outra coisa é admitir restrições a esta garan- tia quando o que está em causa – como sucede nas relações de emprego público – o bom funcionamento do Estado, convocado como motivo e fundamento para a restrição. Sobretudo em circunstâncias, como estas que rodeiam o contexto em que a presente questão é posta ao Tribunal, em que o “bom funcionamento do Estado” significa nem mais nem menos do que o imperativo de reestruturação da Administração Pública, não pode negar-se o particular peso e a particular intensidade dos valores constitucionais que justificariam a restrição do direito à segurança no emprego. Não há – sejamos claros – ordem constitucional que perdure para além da sustentabilidade do Estado, como não há constituição que racionalmente eleja como princípio orientador da ordem pública a “irresponsabilidade” (ou a indiferença) da geração presente perante a auto- nomia das gerações futuras. Simplesmente, e uma vez mais, para legitimar o comportamento arbitrário da administração no despedimento dos seus próprios “trabalhadores” seria necessária uma demonstração clara da essencialidade da medida para a prossecução desse princípio de sustentabilidade estadual. Cabia ao legis- lador ordinário o ónus da demonstração dessa essencialidade. Perante a sua inexistência, votei no sentido da inconstitucionalidade. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Discorda-se da pronúncia de inconstitucionalidade proferida relativamente à primeira questão de cons- titucionalidade enunciada pelo requerente, tendo em conta as razões que de seguida se explicitam. Tal questão, talqualmente delimitada pelo presente aresto, tem que ver com a norma constante do n.º 2 do artigo 18.º conjugada com a segunda, terceira e quarta partes do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto, «na medida em que a mesma, como norma restritiva de direitos, liberdades e garantias de tra- balhadores em funções públicas, afronte o conceito constitucional de justa causa no despedimento, previsto no artigo 53.º da CRP, bem como a dimensão de proporcionalidade do “princípio do caráter restritivo das restrições” a esses direitos, contido no n.º 2 do artigo 18.º». Não se ignora que o presente decreto é perpassado por algumas incoerências. A principal deflui, desde logo, do nomen iuris escolhido pelo legislador – requalificação. Apesar do disposto no n.º 4 do artigo 17.º, que afirma que “o processo de requalificação destina-se a permitir que o trabalhador reinicie funções, nos termos da presente lei, bem como a reforçar as suas capacidades profissionais, criando melhores condições de empregabilidade e de reinício de funções”, certo é que a cessação do vínculo laboral pode dar-se não obs- tante a formação profissional recebida (i) , e mesmo que o trabalhador dispensado não careça de formação profissional acrescida (ii) . Ainda assim, a norma em crise não merece a censura constitucional de que foi objeto. Comecemos por um ponto prévio. A jurisprudência constitucional vem admitindo que a Constituição não veda formas de despedi- mento, seja no âmbito do emprego público, seja no âmbito do emprego privado, com fundamento em motivos objetivos, desde que – bem entendido – fiquem acauteladas certas exigências materiais e adjetivas. O que a Constituição proíbe através do artigo 53.º é que as relações de emprego subordinado cessem por ação arbitrária, discriminatória ou injustificada do empregador (cfr. o Acórdão n.º 632/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), devendo por isso garantir-se que as previsões legislativas pertinentes respei- tam o princípio da proporcionalidade, não possibilitando, de forma encapotada, despedimentos imotivados ou por mero “motivo atendível” (cfr. o Acórdão n.º 107/88, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ).

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