TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

750 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma interpretação sistemática e teleologicamente conformada do artigo 1.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação conferida pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, aponta para que a resposta deva ser afir- mativa. 13. Da consideração do dever de apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais no contexto do regime jurídico do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos e equiparados e dos titulares de altos cargos públicos resulta que o mesmo, na medida em que é imposto em razão do cargo titulado, não tem uma existência autónoma e independente deste, designadamente ao ponto de poder tornar-se alheio às vicissitudes que a titularidade do cargo venha a conhecer. Pelo contrário: na medida em que o dever de apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, para além de se constituir por efeito do acesso a algum dos cargos previstos no elenco legal, pressupõe a respetiva titularidade, percebe-se que o mesmo não possa subsistir sozinho, impondo-se à des- qualificação do cargo que o torna racionalmente justificável. A obrigação de apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, por decorrer de um estatuto funcional ao qual são associadas especiais exigências de transparência na gestão do interesse público, apenas deverá poder conservar-se na medida em que persistam no cargo titulado as características que o colocam sob incidência do regime de controlo público da riqueza estabelecido pela Lei n.º 4/83, de 2 de abril, sucessivamente alterada pelas Leis n.º 25/95, de 18 de agosto, e 38/2010, de 2 de setembro. Daqui não se segue, todavia, que, tratando-se de um dever já constituído por efeito do efetivo acesso a um cargo cujas características importavam a respetiva subsunção ao elenco daqueles que, em razão da sua natureza política ou equiparada, ou da sua qualificada relevância pública, determinam a sujeição dos respe- tivos titulares a regras de controlo público da riqueza, o respetivo cumprimento possa ser sobrestado pela circunstância de aquela descaracterização ter ocorrido antes do termo do prazo legalmente previsto para o efetuar. Apesar de reivindicada pelos requerentes, tal consequência, não apenas se situa para além da cessação da razão de ser da aplicação do regime do controlo público da riqueza em razão do cargo – na medida em que implicaria a desconsideração do facto de ter tido efetivo lugar o exercício de um cargo sujeito, pela sua con- temporânea relevância pública, à incidência das regras de transparência introduzidas pela Lei n.º 4/83, de 2 de abril –, como equivaleria, caso fosse aceite, à própria remodelação dos pressupostos substantivos que inte- gram aquele regime através do acrescento ao conjunto dos requisitos legalmente previstos de um elemento que o mesmo literalmente não comporta: a exigência de um período mínimo de duração do exercício de um cargo subsumível à tipificação constante do artigo 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro. O reconhecimento de que, na hipótese de não ter sido já cumprido, o dever de apresentação da declara- ção de património, rendimentos e cargos sociais constituído pelo início do exercício de funções subsumíveis ao elenco do artigo 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação conferida pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, se extinguiria por efeito da verificação, dentro dos sessenta dias posteriores à respetiva constituição, de alguma circunstância determinativa do seu subsequente decaimento importaria a aceitação de que, indi- retamente – isto é, através de um elemento instrumental e ordenador correspondente à previsão de um prazo para cumprimento –, a lei teria, afinal, estabelecido uma condição substantiva relativa ao período de perma- nência na titularidade dos cargos políticos ou equiparados, ou dos altos cargos públicos aí contemplados, excluindo do âmbito de aplicação do regime as hipóteses em que, fosse por efeito da renúncia às funções ini- ciadas, fosse, como no presente caso, por efeito da sua superveniente descaracterização, tal permanência não houvesse chegado a perfazer os sessenta dias previstos para o cumprimento do dever de entrega da declaração. 14. Tal conclusão em nada se altera sob incidência das finalidades subjacentes ao regime jurídico do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos e equiparados e de altos cargos públicos.

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