TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
75 acórdão n.º 96/13 Inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, este preceito assegura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. Constituindo um direito fundamental complexo, a liberdade de escolha de profissão comporta diversos níveis de realização, quer enquanto liberdade de escolha, quer enquanto liberdade de exercício de qualquer profissão. Nesta última aceção, a liberdade de escolha de profissão compreende o direito de obtenção dos requi- sitos necessários para o acesso a determinada profissão, contemplando este quer a faculdade de não se “ser impedido de escolher (e de exercer) qualquer profissão para a qual se tenham os necessários requisitos, bem como de obter estes mesmos requisitos” (dimensão negativa ou de direito de defesa), quer o “direito à obten- ção dos requisitos legalmente exigidos para o exercício de determinada profissão, nomeadamente as habili- tações escolares e profissionais” (dimensão positiva) (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , I vol., p. 653, da 4.ª edição, da Coimbra Editora). Por isso, a legislação que disponha sobre esta última dimensão da liberdade de escolha de profissão, como sucede com a norma sob fiscalização neste processo, situa-se na área reservada à lei parlamentar ou a diploma governamental devidamente autorizado, conforme determina o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição. O presente diploma foi contudo aprovado pelo Governo. E o facto do diploma em causa suceder a anterior legislação que regulou o acesso à profissão de marítimo e que se encontra referida neste Acórdão, não dispensava a intervenção parlamentar, não operando aqui a ausência de um cariz inovatório, relativamente à norma sub iudicio . É certo que resulta da jurisprudência constante deste Tribunal o entendimento segundo o qual a ausên- cia de autorização parlamentar prévia para a aprovação governamental de atos normativos respeitantes a matérias incluídas na reserva relativa da Assembleia da República apenas determinará a inconstitucionalidade orgânica do regime assim editado quando este estipular um efeito de direito inovatório, não sendo por isso possível imputar-lhe tal vício quando o mesmo se limite a reproduzir substancialmente o regime preexis- tente, emanado este de órgão constitucionalmente habilitado para o efeito. E, ainda de acordo ainda com a jurisprudência deste Tribunal, à legitimação orgânica do regime contido em norma emitida sem observância das regras de produção jurídica estabelecidas na Constituição por via da existência de uma norma anterior de idêntico conteúdo vinculativo emitida por órgão competente para o efeito não obsta a circunstância de a norma precedente constar de diploma anterior à Constituição de 1976. Contudo, no presente caso, o anterior Decreto-Lei n.º 104/89, de 6 de abril, diploma revogado pelo artigo 86.º do Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro, também foi aprovado sem a necessária autoriza- ção da Assembleia da República, e não é possível afirmar que a norma aqui sob fiscalização se limita a repro- duzir o que já constava do artigo 8.º do anterior “Regulamento da Inscrição Marítima, Matrícula e Lotações dos Navios da Marinha Mercante e da Pesca”, aprovado pelo Decreto n.º 45 969, de 15 de outubro de 1964. Na verdade, enquanto que a norma pretérita, se limitava a exigir, no contexto de uma regulamentação procedimental, um documento comprovativo de nacionalidade portuguesa, a norma impugnada fixa, como condição substantiva da inscrição marítima, a “nacionalidade portuguesa ou de um pais membro da União Europeia, sem prejuízo do disposto em convenções ou em instrumentos internacionais em vigor no ordena- mento jurídico nacional”. Não se verifica a reiteração, em termos substancialmente idênticos, de uma mesma regra, nem sequer quanto ao elemento que suscita a questão de constitucionalidade, pois a do artigo 4.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 208/2001, de 23 de outubro, em comparação com a norma pré-constitucional, restringe significativa- mente o universo dos sujeitos excluídos, quer pela ressalva final, quer, sobretudo, pela admissão de nacio- nais de um país membro da União Europeia. E este regime inscreve-se num diploma cujo objetivo foi o de traduzir, em 2001, as alterações introduzidas pelas Emendas à Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos de 1978 (STCW), adotadas em 1995 pela Organização Marítima Internacional e entretanto secundadas e reforçadas pela União Europeia. Fica à
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