TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

731 acórdão n.º 210/13 Todavia, se se considerar a «natureza» da reclamação em apreço, a conclusão que se alcança é precisamente a inversa: a de que a sua apresentação só tem um efeito devolutivo e que este é circunscrito à questão da ­manutenção, ou não, do despacho reclamado, em nada interferindo com a eficácia da decisão de que se pretende recorrer. De resto, sublinhe-se, tão pouco os recorrentes invocaram perante as instâncias – o Juízo de Família e Menores de Sintra e o Tribunal da Relação de Lisboa – o pretenso efeito suspensivo das reclamações que aí apresentaram. O apelo à «natureza das coisas» pode, de algum modo, compreender-se, uma vez que a lei processual aplicá- vel não diz expressamente qual o efeito associado a este meio impugnatório – a reclamação do despacho de não admissão do recurso. Com efeito, o artigo 688.º, n.º 3, primeira parte, do Código de Processo Civil limita-se a referir que “a reclamação é autuada por apenso e apresentada ao juiz que admita ou mande seguir o recurso ou que mantenha o despacho reclamado”, isto é, e com interesse para o presente caso, “aquele [despacho] que não admita a apelação, a revista ou o agravo”, conforme o n.º 1 do mesmo preceito. Apresentada a reclamação, o juiz competente para a apreciar pode rever a decisão reclamada – a aludida não admissão do recurso – , em vista a confirmá-la ou revogá-la. É este – e só este – o objeto da reclamação. Por isso mesmo, em caso de deferimento da reclamação pelo tribunal superior, diz-se na lei que aquele «manda admitir o recurso» e que “as partes são logo notificadas da decisão proferida na reclamação, baixando o processo para ser incorporado na causa principal, e lavrando o juiz […] despacho em conformidade com a decisão superior” (cfr. os n. os 2 e 3 do artigo 689.º do Código de Processo Civil). Assim, só depois de admitido o recurso é que se produzem os efeitos próprios de tal meio de impugnação: o efeito devolutivo e, se for o caso, o efeito suspensivo, ambos referidos, então, à decisão recorrida; e não já à decisão reclamada (a não admissão do recurso).     Acresce que, podendo os recursos ter cumulativamente um efeito devolutivo e um efeito devolutivo, ou apenas um efeito devolutivo, nada justifica que, «pela natureza das coisas», a reclamação da não admissão dos recursos tenha necessariamente um efeito suspensivo da decisão de que se pretende recorrer. No caso sub iudice esta objeção é tanto mais relevante, quanto – e ao contrário do que os recorrentes sustentam – os efeitos do recurso que cabe da decisão final sobre a aplicação de medidas de promoção e proteção no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, (adiante referida simplesmente como “LPCJP”) – como é o caso do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância – são fixados pelo tribunal recorrido, não se encontrando, portanto, pré-determinados na lei (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP). B) A utilidade do presente recurso de constitucionalidade 8. A utilidade do presente recurso de constitucionalidade, como decorre das considerações anteriores, não está dependente do tipo de efeitos que lhe sejam atribuídos, porque o mesmo recurso não respeita à decisão de fundo proferida na primeira instância, mas apenas à não admissão do recurso ordinário interposto de tal decisão. Aliás, dada a especificidade daquela decisão de fundo e a especialidade do regime aplicável ao recurso ordinário que da mesma cabe, também não se pode ter por certo que a aplicação do artigo 78.º, n.º 2, da LTC, só por si, determinasse a suspensão da medida decretada naquela decisão [confiança de sete menores a instituição com vista a futura adoção – cfr. o artigo 35.º, n.º 1, alínea g) , da LPCJP]. Com efeito, e atento o mencionado poder espe- cial conferido ao tribunal recorrido pelo artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP, não é adequado falar nestes casos de uma “cadeia inelutável de atos”, uma vez que é o próprio legislador quem elimina quaisquer «inelutabilidades». E, mesmo que os recorrentes tivessem recorrido para este Tribunal daquela decisão – prescindindo do perti- nente recurso ordinário, tal como facultado pelo artigo 70.º, n.º 4, da LTC – a última palavra quanto ao efeito de tal recurso continuaria a competir ao tribunal de primeira instância, por força do efeito conjugado do artigo 124.º, n.º 2, da LPCJP e do artigo 78.º, n.º 2, da LTC. Mais: se o efeito fixado a tal recurso pelo tribunal então recorrido

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