TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

724 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis – leia-se, o critério – que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” ( ability to pay ). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível e m www.tribunalconstitucional.pt ) . Tributar o lucro real das empresas, por seu turno, significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva (cfr. o Acórdão n.º 162/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Trata-se, no entanto, de um princípio cuja principal concretização é afastar a tributação das empresas pelo seu lucro normal, isto é, tributar o rendimento que estas poderiam ter obtido em condições normais de exploração, independentemente, pois, das condições concretas em que desenvolveram a sua atividade (Xavier de Basto, “O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária”, in Fiscalidade , n.º 5, 2001, p. 10). A questão tem sido objeto de discussão na jurisprudência constitucional, a propósito dos métodos indiretos de apuramento da matéria coletável (cfr. os artigos da Lei Geral Tributária), assumindo tal jurisprudência que a tributação pelo lucro real é um princípio que admite “desvios”, entenda-se, é compatível com alguma “normalização” no apuramento da matéria coletável (cfr. os Acórdãos n. os  84/03 e 85/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ). Já o reporte de prejuízos, previsto no artigo 52.º do CIRC, justifica-se em razão de uma lógica de solida- riedade dos exercícios. Ou seja, não obstante a regra ser a da periodização do lucro acompanhada da corres- pondente anualidade do imposto, os efeitos fiscais desta periodização tendem a ser minimizados através de algumas medidas, entre as quais se integra o reporte de prejuízos (para a frente e para trás). Permite-se, assim, a comunicação dos prejuízos de um exercício aos lucros de outro exercício, “como forma de o imposto sobre os lucros ser equitativo e respeitar, afinal, a capacidade contributiva dos sujeitos sobre que incide” (Freitas Pereira, “O regime fiscal do reporte de prejuízos – princípios fundamentais”, in Estudos em Homenagem à Dra. Maria de Lourdes Correia e Vale , Lisboa, 1995, p. 223) e o princípio da tributação segundo o lucro real. Fácil é de ver, porém, que o reporte de prejuízos, apesar de mais adequado ao modo como flui o rendimento das empresas, é fator de erosão de receitas fiscais, pelo que a previsão do reporte bem como os limites a que se acha sujeito ( v. g., reporte para a frente e/ou para trás, limitação temporal do reporte, prioridade da dedução dos prejuízos fiscais mais antigos) hão de compatibilizar-se com o desiderato dos impostos, que passa pela satisfação das necessidades financeiras do Estado (cfr. artigo 103.º, n.º 1, da CRP). 7. Neste sentido, o legislador ordinário, ao ligar a derrama à categoria do lucro tributável, pretendeu evitar que, através do reporte de prejuízos, as empresas pudessem furtar-se ao pagamento deste imposto, reduzindo as receitas próprias do município e, desta forma, comprometendo a efetivação da autonomia local. Socorreu-se, pois, da mesma técnica que está subjacente à derrama estadual (cfr. o artigo 87.º-A do CIRC) – uma taxa adicional aplicável ao lucro tributável superior a 1 500 000 euros sujeito e não isento de IRC – com a diferença que, ao contrário desta, a derrama municipal é um imposto autónomo de que o município é titular ativo. Não há, porém, uma conexão suficientemente forte entre os princípios da igualdade tributária e da tributação das empresas pelo lucro real, por um lado, e a figura do reporte de prejuízos fiscais, por outro, ao ponto de se poder afirmar que a assunção do lucro tributável como matéria coletável de um dado imposto frustra o respetivo conteúdo normativo. Indubitavelmente, havendo reporte de prejuízos, verifica-se uma

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