TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

723 acórdão n.º 197/13 Não há dúvida que a nova LFL veio alterar substancialmente este quadro. À luz dos novos dados norma- tivos, a derrama assume-se como um imposto autónomo, no sentido de dependente – leia-se, não acessório – fundando a doutrina tal convicção na circunstância de que todos os seus elementos essenciais constam da lei ou dependem da vontade dos municípios, cujo interesse é determinante na decisão quanto ao respetivo lançamento. A sua relação com o IRC cinge-se, portanto, para efeitos do seu cálculo e por razões de simplici- dade, a uma base tributável comum, que não prejudica nem obsta à existência de relações jurídico-tributárias autónomas entre os dois impostos (Saldanha Sanches, “A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios”, in Fiscalidade, n.º 38, 2009, p. 137). É certo que a derrama incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, de onde decorre que nos casos em que não haja lugar a tributação do rendimento, também não haverá obrigação de pagamento da derrama, por falta de base de incidência. No entanto, rela- tivamente a qualquer outra vicissitude com repercussão no IRC – v. g., invalidade da liquidação, deduções à matéria coletável e à coleta, reduções de taxa – a derrama adquiriu estatuto de imunidade, desligando-se efetivamente do imposto principal (Saldanha Sanches, A derrama, os recursos naturais e o problema da distri- buição de receita entre os municípios , cit., p. 138). Depois, tendo a derrama passado a ser calculada a partir do lucro tributável – e não já a partir da coleta – há que concluir que a mesma se converteu, de uma perspetiva jurídico-financeira, num adicionamento ao IRC, perdendo a sua natureza de adicional (Sérgio Vasques, “O sistema de tributação local e a derrama”, in Fiscalidade, n.º 38, 2009, p. 121; Jónatas Machado/Paulo Nogueira da Costa, “As derramas municipais e o conceito de estabelecimento estável”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches , Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 854). Finalmente, cumpre sublinhar que a derrama incide, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º, sobre a proporção do rendimento da empresa gerado na área geográfica do municí- pio, circunstância que explica que alguma doutrina tenda a perscrutar em tal critério uma manifestação do princípio do benefício, no sentido de que o montante de imposto a pagar por cada empresa a cada município visa compensar os custos consideráveis em que este incorreu para que aquela pudesse gerar rendimento (Sal- danha Sanches, A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios , cit., p. 140; Rui Duarte Morais, “Passado, presente e futuro da derrama”, in Fiscalidade, n.º 38, 2009, p. 113). 6. De acordo com a interpretação sufragada pela decisão recorrida, incidindo a derrama sobre o lucro tributável, deixam de poder tomar-se em consideração quaisquer prejuízos fiscais de anos anteriores. De facto, ao abrigo do artigo 15.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), a matéria coletável das entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º obtém-se mediante dedução, ao lucro tributável, dos prejuízos fiscais e dos benefícios fiscais eventualmente existentes e que consistam em deduções naquele lucro. Já o lucro tributável corresponde, nos termos do artigo 17.º “(…) à soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos” nos ter- mos do CIRC. O mesmo é dizer, portanto, que tendo o legislador ordinário optado por fazer incidir a der- rama sobre o lucro tributável, e não sobre a matéria coletável, a norma em crise veda efetivamente a dedução de prejuízos fiscais prevista no artigo 52.º do CIRC, operação que pressupõe o apuramento prévio do lucro tributável nos termos supra assinalados. Tudo está em saber, neste sentido, se esta é uma opção constitucionalmente legítima, ou se é possível opor-lhe os princípios constitucionais da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real (cfr. artigos 13.º e 104.º, n.º 2, respetivamente). Por outras palavras, é mister anali- sar se é possível extrair dos princípios enumerados imperativo constitucional que vede soluções que obstem àquela dedução. Ora, talqualmente afirmou o Acórdão n.º 84/03 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), “(…) o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária”. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento

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