TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
722 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , a classificou como um “costume constitucional”. A questão de constitucionalidade supra enunciada tem, porém, raízes mais recentes, visto que, ao contrário do que sucede na nova LFL, a base de incidência da derrama municipal sempre foi a coleta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e não o lucro tributável. Isso mesmo é comprovável, entre outros, a partir do artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, que assumia, com efeito, a seguinte redação: «Artigo 18.º Derrama 1 – Os municípios podem lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 10% sobre a coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. (...)» A derrama assume-se atualmente como um imposto municipal, expressão, portanto, da autonomia financeira de que gozam as autarquias locais e concretamente os municípios, nos termos dos artigos 238.º, n.º 4, e 254.º da CRP. Como é sobejamente reconhecido, a autonomia financeira das autarquias locais é uma faculdade concretizadora do princípio da autonomia local (cfr. artigo 6.º, n.º 1, da CRP), de acordo com a qual aquelas devem possuir “receitas suficientes para a realização das tarefas correspondentes à prossecução das suas atribuições e competências” (Casalta Nabais, “A autonomia financeira das autarquias locais”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , vol. 82, 2006, p. 29). Essas receitas podem ser, entre outras, receitas fiscais, concretizando-se os poderes tributários reco- nhecidos pelo legislador constituinte às autarquias locais quer num verdadeiro poder tributário – leia-se, no poder de criar ou conformar impostos – quer num direito à receita dos impostos (Casalta Nabais, A autonomia financeira das autarquias locais , cit., p. 33). Neste sentido, a derrama surge como uma manifes- tação da primeira modalidade de poder tributário referida, porquanto o município, para além de se afirmar como o sujeito ativo da relação tributária – isto é, como o titular do crédito de imposto – tem um domínio praticamente absoluto sobre os seus elementos essenciais, circunstância que reforça a natureza municipal da derrama. Como é bom de ver, esta qualificação não é perturbada pelo facto de a cobrança deste tributo continuar a pertencer, por razões de comodidade, à administração tributária central (DGCI). Trata-se, hoje, para além disso, de um mecanismo corrente de financiamento dos municípios, visto que a derrama perdeu o caráter extraordinário de que se revestia à luz do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, nos termos do qual apenas poderia ser lançada “para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro”. Antes da aprovação da nova LFL, a doutrina qualificava a derrama como um imposto acessório, embora houvesse quem (já) propusesse uma qualificação distinta – a de imposto dependente. A diferença entre ambos prende-se com o grau de vinculação ou de subordinação relativamente ao imposto principal: assim, um imposto diz-se acessório quando fique demonstrado que, inexistindo a dívida principal (ou a dívida ori- ginada pelo imposto principal), inexiste dívida subordinada, e diz-se dependente quando, mesmo na ausên- cia da dívida principal, possa existir dívida subordinada (Sousa Franco, “Os poderes financeiros do Estado e do Município: sobre o caso das derramas municipais”, in Estudos em Homenagem à Dra. Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 69). Independentemente desta divergência, existia consenso no sentido de que, do ponto de vista jurídico-financeiro, a derrama se configurava como um adicional ao IRC e não como um adicionamento. A diferença entre as duas figuras não constitui novidade: um imposto reputa-se adicional quando incide sobre a coleta do imposto principal, e adicionamento quando incide sobre a matéria coletável daquele.
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