TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
715 acórdão n.º 186/13 quer aplicá-lo tanto ao direito penal como ao direito processual penal, não obstante a limitação ao primeiro sugerida pelo restante texto legal”. E abona neste mesmo sentido o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nos termos do qual o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Poder-se-á mesmo afirmar que “perturba- ções essenciais do direito de defesa permitem, em última análise, uma frustração do próprio nullum crimen sine lege . Esta exigência da lei incriminadora concretiza-se no Processo Penal pela possibilidade de o agente demonstrar que não praticou o crime que lhe é imputado. Se o não puder fazer devidamente, o nullum crimen sine lege será um artefacto que permitirá atribuir responsabilidade onde em concreto possa não ter existido qualquer crime” (Fernanda Palma, “Linhas estruturais da reforma penal – Problemas de aplicação da lei processual penal no tempo”, in O Direito, 2008, I, pp. 20 e segs.). O processo penal só assegurará plenamente as garantias de defesa através de lei estrita que conforme a posição processual do arguido e os seus direitos processuais, nomeadamente o direito ao recurso. As garan- tias de defesa só estarão plenamente asseguradas se, no momento relevante para o exercício do direito ao recurso (o da notificação do acórdão condenatório em primeira instância), o destinatário da norma conhecer as condições do respetivo exercício com a segurança que o garanta contra a imprevisibilidade. Esta exigên- cia impõe-se necessariamente quando o que está em causa é o acesso a um segundo grau de recurso, num ordenamento processual penal onde a irrecorribilidade das decisões constitui uma exceção (artigos 399.º e 400.º do CPP) e que dá ao recorrente a possibilidade de aceder diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, quando pena de prisão aplicada em acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo seja superior a cinco anos [artigo 432.º, n.º 1, alínea c) , do CPP]. 3. Vai também no sentido da extensão do princípio da legalidade ao processo penal, na medida imposta pelo seu conteúdo de sentido, a jurisprudência constitucional em matéria de aplicação da lei processual penal no tempo. O Tribunal tem entendido que o princípio da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (artigo 29.º, n.º 4, da Constituição) não se restringe à aplicação da lei penal substantiva (entre outros, Acórdãos n. os 247/09 e 551/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt , e indicações doutrinais aí contidas). Como o direito ao recurso é uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido e as questões de constitucionalidade que importava apreciar tinham a ver com a sucessão no tempo de normas sobre a recorribilidade de decisões, um dos parâmetros de aferição da conformidade constitucional das normas em causa foi precisamente o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição. Há que salvaguardar o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável, de onde resulta que não deve aplicar-se a nova lei processual penal num processo pendente, sempre que da nova lei resulte um agrava- mento da posição processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. 4. Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de maio de 2012, “não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”, pelo que só é “admissível recurso de decisão confirmatória da relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo”. E assim sendo, “certo é ser irrecorrível a decisão impugnada no que respeita às penas parcelares aplicadas ” (itálico aditado), uma vez que são não supe- riores a 8 anos de prisão. Dispondo a alínea f ) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP que “não é admissível recurso de acórdãos conde- natórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos ” (itálico aditado), é de concluir que a norma aplicada pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi , ultrapassa o sentido possível das palavras da lei. Na verdade, a norma segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, na parte que se refira a penas de prisão parcelares não superiores a 8 anos, ultrapassa a moldura semântica daquele texto.
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