TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

714 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. O artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição submete a intervenção penal ao princípio da legalidade, no sentido preciso de que não pode haver crime nem pena ou medida de segurança que não resultem de lei prévia, escrita, certa e estrita, estando, consequentemente, proibido o recurso à analogia. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/08 conclui-se relativamente a este princípio constitucional, com relevo para a questão de constitucionalidade a decidir, que: «(…) Não se trata, pois, apenas de um qualquer princípio constitucional mas de uma “garantia dos cidadãos”, uma garantia que a nossa Constituição – ao invés de outras que a tratam a respeito do exercício do poder jurisdicional – explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias relevando, assim, toda a carga axiológico- -normativa que lhe está subjacente. Uma carga que se torna mais evidente quando se representa historicamente a experiência da inexistência do princípio da legalidade criminal na Europa do Antigo Regime e nos Estados totali- tários do século XX (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, I, p. 178). Nos Estados de direito democráticos, o Direito penal apresenta uma série de limites garantísticos que são, de facto, verdadeiras “entorses” à eficácia do sistema penal; são reais obstáculos ao desempenho da função punitiva do Estado. É o que sucede, por exemplo, com o princípio da culpa, com o princípio da presunção de inocência, com o direito ao silêncio e, também, com o princípio da legalidade ( nullum crimen sine lege certa). Estes princípios e direitos parecem não ter qualquer cabimento na lógica da prossecução dos interesses político-criminais que o sistema penal serve. Estão, todavia, carregados de sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito, a liberdade pessoal tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências comunitárias que justi- ficam o poder punitivo. Não se pense pois que estamos perante um princípio axiologicamente neutro ou de uma fria indiferença ética, que não seja portador de qualquer valor substancial. O facto de o princípio da legalidade exigir que num momento inicial do processo de aplicação se abstraia de qualquer fim ou valor decorre de uma opção “axiológica” de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar a liberdade dos cidadãos acima das exigências do poder punitivo.  Assim se justifica que nem mesmo os erros e falhas do legislador possam ser corrigidos pelo intérprete contra o arguido.  (…) A amplitude do processo hermenêutico e argumentativo de aplicação da lei penal encontra aqui, na moldura semântica do texto, uma barreira intransponível − uma barreira que apenas se explica pela preferência civilizacional que o Direito concede à liberdade pessoal sobre a necessária realização das finalidades político‑criminais que justifi- cam a instituição do sistema penal e que está na base da especial força normativa que a nossa Constituição concede à garantia pessoal de não punição fora do domínio da legalidade, ao inclui-la no catálogo dos direitos, liberdades e garantias (artigo 29.º, n. os  1 e 3, da Constituição da República Portuguesa). (…)» Acompanhando Figueiredo Dias, é de concluir que, constituindo o princípio da legalidade “a mais sólida garantia das pessoas contra possíveis arbítrios do Estado, não se vê porque não haja ele de estender-se, na medida imposta pelo seu conteúdo de sentido, ao processo penal, cuja regulamentação pode a todo o momento pôr em grave risco a liberdade das pessoas”. No sentido preciso de o recurso à analogia em processo penal estar vedado, sempre que venha a traduzir-se “num enfraquecimento da posição ou numa diminui- ção dos direitos processuais do arguido (desfavorecimento do arguido, analogia in malam partem ” ( Direito Processual Penal, Universidade de Coimbra, edição policopiada, 1988-9, pp. 68 e segs.). Segundo o autor, “razões históricas [que remontam à Carta Constitucional de 1826, à Constituição Política de 1911 e à Cons- tituição Política de 1933] e teleológicas dão-se pois as mãos para convencer que, quando o artigo 29.º, n.º 1, da atual Constituição refere o princípio da legalidade à exigência de se não ser «sentenciado criminalmente»,

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