TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
711 acórdão n.º 186/13 Ora, como se explicita no Acórdão recorrido (na parte supra citada), o legislador ordinário elegeu, no sistema de recursos vigente em processo penal, a gravidade da pena aplicada como critério primordial para que seja admissível 'um triplo grau de jurisdição' (duplo grau de recurso), reservando, desta forma, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para os casos de, no seu entendimento, maior importância e gravidade. No caso em apreço – artigo 400.º, n.º 1, alínea f ), do CPP – o legislador, no âmbito dos seus poderes de confor- mação, tendo subjacente a norma resultante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, entendeu que, na inter- pretação impugnada – “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” –, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, afigurando-se-nos que não resulta à evidência que tal limitação possa ser considerada excessiva ou intolerável e, consequentemente, injustificável, havendo, por isso, que ser considerada conforme à Constituição. Afastada a inconstitucionalidade da norma à luz do artigo 32.º da Constituição, ter-se-á que a validade da interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso há de depender, bem entendido, da sua não desconformidade com o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Consti- tuição. Admitindo-se – talqualmente o faz o Acórdão recorrido – a vigência daquele princípio também no direito processual penal, é mister concluir que a questão de constitucionalidade a apreciar passa por apurar se o segmento normativo extraído da alínea f ) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP consubstancia uma situação de analogia in malam partem , logo, constitucionalmente vedada. O Acórdão recorrido considerou que do processo hermenêutico empreendido pelo tribunal a quo resul- tou uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, extravasava o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia e – in casu – da analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal. No entanto, apesar das limitações impostas pelo princípio constitucional da legalidade criminal, nem o direito penal nem o direito processual penal se encontram subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas. Assim sendo, cumpre esclarecer que a transição da interpretação para a analogia, ao abrigo dos cânones tradicionais, é determinada pela letra da lei (elemento gramatical ou literal). É, com efeito, a partir desta que se determinam os signifi- cados do preceito a que ainda é possível aceder através da interpretação, e quais aqueles que resvalam para a analogia. Obtidos os significados ainda compatíveis com o teor verbal da norma, a conclusão do processo hermenêutico faz-se com o auxílio dos outros elementos da interpretação – os elementos histórico, sistemá- tico e racional (ou teleológico). Sucede que o sentido vertido na interpretação normativa extraída da alínea f ) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP – nos termos da qual “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” – ainda se afigura cabível na letra daquele preceito. Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encon- trada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. Este elemento baseia-se “no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pen- samento unitário” (João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183). Tal postulado sustenta a interpretação normativa contestada, vedando a incoerên- cia ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime.
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