TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

701 acórdão n.º 177/13 «(…)    [É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque inte- grantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz cons- titucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sis- tema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garan- tir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis. (…)» No caso presente, porém, existem motivos razoáveis que justificam materialmente a opção do legislador de não aplicar no âmbito da Lei Tutelar Educativa a regra do desconto prevista no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal. 6. Desde logo, para a Constituição, a privação total ou parcial da liberdade decorrente de detenção, pri- são preventiva ou da aplicação de pena de prisão não é confundível com a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado [cfr. o respetivo artigo 27.º, n.º 3, alínea e) ]. Acresce que, conforme defende Rui Medeiros, o reconhecimento da especial necessidade de proteção da criança, subjacente à regulamentação do artigo 69.º do mesmo normativo, justifica “um efeito expansivo, de forma a assegurar que as medidas de reação aos casos de delinquência infantil [ou juvenil] não percam de vista o objetivo do desenvolvimento integral da criança” (vide Autor cit., in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. III ao artigo 69.º, p. 1382). E o mesmo Autor acrescenta: «(…) A própria justiça de menores não pode, por isso, obliterar que a delinquência juvenil é praticada por seres em formação. Concretamente, os instrumentos de reação, se por um lado não podem ignorar que as crianças e os jovens reclamam e efetivamente obtêm um grau crescente de autonomia e liberdade, e por isso devem ser responsa- bilizantes daqueles que adotam comportamentos que violam os valores básicos de ordenação da vida em sociedade, devem, por outro, atender à situação específica em que se encontram os menores» ( v. ibidem ). E, conforme sublinha o Ministério Público junto deste Tribunal nas suas alegações, são de acolher as considerações fundamentadoras de uma diferenciação normativa entre medidas penais e medidas tutelares educativas expendidas no acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2008:

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